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Violência e Família. O ambiente de trabalho da Mediação Familiar.

Violência e Família.

O ambiente de trabalho da Mediação Familiar.
Weverton Duarte Araújo

O presente trabalho tem a intenção de apenas introduzir a reflexão sobre o ambiente familiar como “locus” do desenvolvimento de relações interpessoais que, embora romantizado sob o rótulo de “lar, doce lar”, bem o sabemos, não é tão doce assim. O que pretendemos é apresentar breves conceitos sobre violência, família e mediação de conflitos, apontando para a possibilidade da utilização da mediação como ferramenta no tratamento dos conflitos inerentes ao convívio no grupo familiar, que não raro, geram por parte de seus membros, atos de violência.

Violência é o que temos assistido diariamente, como resultado das mais diversas tentativas de solução dos conflitos próprios das relações humanas, mas que não são devidamente tratados, ou vivenciados.

Uma visão baseada no método psicanalítico Muskat (2008) nos fornece uma conceituação bastante adequada, na qual o ato violento é entendido como forma e reação do individuo a qualquer tipo de dano que ameace sua posição ou integridade psíquica. Diferentemente dos conflitos, que são inerentes à condição humana e consequentemente, às relações interpessoais, afirma a autora, a violência aponta para uma inadequação do individuo em solucionar ou se adaptar aos conflitos.

Outra tentativa de explicar o comportamento agressivo das pessoas em sociedade nos é dada por Freud, em sua obra O mal estar na civilização, onde ele postula que uma das fontes do nosso sofrimento é “a inadequação das regras que procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no Estado e na sociedade” (FREUD, 1996).

Para Freud, “a liberdade do indivíduo não constitui um dom da civilização” (FREUD, 1996.p.102), ou seja, aquilo que chamamos civilização traz em si, pelo bem da coletividade, a privação da liberdade individual, o que implica no estabelecimento de um grande conflito entre as reivindicações individuais de liberdade e as reivindicações culturais do grupo. Isso vem reforçar o que foi acima afirmado sobre a reação do individuo contra o que ele percebe como ameaça a sua integridade. Diante de um conflito de tal monta, não é difícil explicar que pessoas menos preparadas reajam de forma não adequada ao que requer a convivência em sociedade, ou em família. Somos obrigados a concordar que o sofrimento imposto por esse estado conflituoso certamente pode gerar, ainda que baseada em razão legítima, reação violenta.

Recorremos ainda a Muszkat, quando diz que “é nas relações de continuidade, devido à convivência e maior intimidade entre as pessoas, que reside uma tendência maior para a manifestação de conflitos e sua cronificação”, (MUSZKAT, 2008.p.32) para defendermos que o ambiente familiar é propício à manifestação dos atos de violência conforme os aspectos da conceituação descrita acima. Ali, no ambiente familiar, o indivíduo pode experimentar constantemente o clima de tensão que predispõe ao conflito, uma vez que os membros do grupo, não raramente, vivenciam situações em que se sentem ameaçados, inseguros e impotentes, tendo que se submeter aos interesses coletivos em detrimento dos próprios interesses.

A família nuclear, composta por um pai uma mãe e seus filhos, está sofrendo modificações constantes, em função de diversas mudanças no comportamento social, que vem gerando novas composições familiares bastante diversas. Essas mudanças, entretanto, não afetam o fato de serem, tanto aquela quanto estas formas de organização familiar, um espaço densamente carregado de conflitos.

Ainda segundo Muszkat, “o nível de intimidade e de disputa dos afetos estimula sentimentos ambíguos de amor e ódio, aliança e competição, proteção e domínio entre todos os membros de uma família”. (MUSZKAT, 2008, p. 34)

Além disso, a própria desestruturação do sistema nuclear de família, em favor das muitas outras formas de organização que temos observado principalmente a partir de meados do século passado, expõe os membros desses grupos familiares a uma crise de conceitos sem precedentes. As funções de cada membro do grupo já não são tão claras. A figura do pai controlador e autoritário, que mantinha a ordem e propiciava os meios de subsistência ao grupo, praticamente não existe e se existe, não é mais aceita. A mãe, dona de casa e cuidadora de filhos, já não existe também. Da mesma forma, os filhos não se encaixam no modelo ao qual a sociedade estava acostumada. O problema é que não existem novas regras para o jogo.

Assim, como afirma Roudinesco sobre o futuro da família,
[...] do fundo de seu desespero, ela parece em condições de se tornar um lugar de resistência à tribalização orgânica da sociedade globalizada. E provavelmente alcançará isso – sob a condição todavia de que saiba manter, como princípio fundador, o equilíbrio entre o um e o múltiplo de que todo sujeito precisa para construir sua identidade. A família do futuro deve ser mais uma vez reinventada. (ROUDINESCO, 2003, p. 199)
Eis, portanto, o ambiente em que a mediação de conflitos vai se lançar, ou já tem se lançado, como ferramenta de pacificação social e de transformação.
A mediação de conflitos pode ser entendida como um processo de intervenção instrumentalizadora por parte do profissional ou grupo preparado para fornecer às partes, condições para que estas encontrem por si mesmas, opções de solução nas crises instaladas em seus conflitos, buscando evitar os atos violentos comuns da não dialetização observada na vivência do cotidiano.

O objeto da mediação é definido pelas tradutoras do livro Dinâmica da Mediação, de Jean-François Six, como “auxiliar os seres humanos a investigar suas melhores alternativas, suas mais satisfatórias possibilidades em face das suas situações de impasse, ou até para evitá-las...” (SIX, 2001, p. 12).
A mediação deve promover a via do diálogo e da reflexão, levando as partes a uma postura alteritária e de respeito à heteronomia indispensável nas relações humanas. Mais que isso, a mediação visa a prevenir a violência.
A Mediação familiar transdisciplinar, utilizada pela ONG Pró-Mulher, Família e Cidadania (PMFC) em São Paulo, assim como o Projeto Dialogar, implantado na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Belo Horizonte, são possibilidades de aplicação da Mediação de Conflitos em ambientes familiares. A nós, resta torcer para que tais iniciativas sejam frutíferas na reinvenção da família do futuro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


FREUD, Sigmund. O mal estar na civilização. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud:edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
MUSZKAT, Malvina Ester. Guia prático e mediação de conflitos em famílias e organizações. 2ªed.rev.São Paulo: Summus, 2008.
OLIVEIRA, Maria Coleta. [et al]. Mediação familiar transdisciplinar: uma metodologia em situações de conflito de gênero. São Paulo: Summus, 2008.
ROUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
SIX, Jean-François. Dinâmica da Mediação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

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