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O QUE É O SER HUMANO?

O QUE É O SER HUMANO?
            A pergunta pelo ser humano sempre ocupou lugar de destaque no mundo do conhecimento. E hoje, na modernidade, está cada vez mais patente a necessidade de perguntar por esse Ser tão complexo.
A vida humana surgiu há cerca de 10 milhões de anos na África e, durante todo esse tempo, mostrou grande flexibilidade, sendo capaz de adaptar-se a todos os ecossistemas, dos mais gélidos (nos polos) aos mais áridos (trópicos), no solo, no subsolo, no ar e fora do nosso planeta, nas naves espaciais e até mesmo na lua. É o milagre da espécie homo que “submeteu-se às demais espécies, menos a maioria dos vírus e das bactérias. É o triunfo perigoso da espécie homo sapiens e demens[1]
            A humanidade percorreu um longo caminho no ensaio de decifrar a essência  do ser humano. Para tal, serviu-se das artes e pinturas nas cavernas, passando pela Filosofia e pelo universo virtual até as hermenêuticas holísticas dos nossos dias.
Leonardo Boff entende que o processo da civilização humana  começou há mais de dois milhões e seiscentos mil anos  e, até hoje, ainda está no começo.  O Homo Habilis - Homem inteligente - criou uma linguagem própria; modificou o equilíbrio químico e físico do planeta através da revolução agrária, industrial e cibernética; criou símbolos que o ajudaram a dar sentido às suas relações com a vida. Essa vitória da espécie humana foi perigosa porque, ao se colocar dono e senhor das espécies, e consequentemente das coisas, o ser humano não se reconheceu mais como parte desse ecossistema vivo. Colocou-se sobre, esquecendo-se de que é parte, e que, portanto, precisa estar com. Por isso, o Homo Sapiens - inteligente - dotado de extrema capacidade de transformação, se tornou Homo demens, demente. Diante da pluralidade de hoje, nosso autor  adverte:
                   Podemos responder de muitas e de diferentes maneiras à pergunta: o que é o ser humano? A questão e sua correspondente resposta encontram-se subjacentes às formações sociais, nas diferentes visões de mundo, nas diversas filosofias, ciências e projetos elaborados pelo ingênio  humano[2].

              Levando em conta a atual cultura, que enaltece a racionalidade científico-técnica, a imagem do ser humano é de um animal racional; um ser de necessidades; desejos; participação; sonhos; utopias; transformações; de imanência e transcendência. Mas, afinal, o que é o ser humano? Respondendo a essa pertinente questão Leonardo afirma: “é um ser de abertura. É um ser concreto, mas aberto. É um nó-de-relações voltado em todas as direções”[3]. Ou seja, é um sujeito histórico, pessoal, que se apresenta como masculino e feminino e traz consigo o germe do coletivo que se concretiza na construção de relações.  
            O ser humano se revela, inevitavelmente, como masculino e feminino. Porém, segundo Boff, nos últimos séculos a revelação entre esses dois gêneros foi sempre marcada pelo desequilíbrio. A cultura patriarcal acentuou o princípio masculino e renegou à mulher todas as características femininas. Aquele foi considerado o único detentor de racionalidade, e esta, um apêndice e adorno de satisfação daquele.  Esse desequilíbrio surgiu porque a harmonia foi quebrada através da dominação do varão. Para Leonardo, o masculino e o feminino entendidos no seu sentido filosófico como princípios, devem buscar a complementariedade na reciprocidade. Nesse contexto, ele faz referência à Simone de Beauvoir: “a mulher só se torna mulher sob o olhar do homem; o homem só se torna homem sob olhar da mulher”[4].
            Boff dá ênfase à valorização do feminino tanto no homem como na mulher; pois ao renegar o feminino o homem se tornou desumanizado e a mulher perdeu suas características determinantes. Aqui, as mulheres pagaram o maior preço, porque foram submetidas aos desejos e caprichos dos homens durante séculos, pra não dizer até nossos dias. Por isso, se torna fundamental o resgate da figura feminina, pois, “as mulheres são mais centradas na teia das relações pessoais, entregues ao cuidado da vida, sensíveis ao universo simbólico e espiritual, capazes de empatia e comunhão com o diferente”[5]. A sociedade atual é fria e calculista, pautada pelo lucro e pelo poder, justamente porque durante séculos perdeu a referência feminina como fonte originária da vida.
            Ao afirmar que somos nó-de-relações, Leonardo quer dizer que estamos em constante relação com tudo o que nos rodeia, pois desde a grande explosão do Big Bang o ser humano já estava lá em potencialidade. Ele nasce inteiro, porém, inacabado. Está em constante mudança e nunca chega ao fim, se encontra em permanente construção de sua existência. Nesse processo de desenvolvimento ele precisa cultivar relações saudáveis consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com Deus.
Destarte, o ser humano se encontra em permanente construção, e, como ser desejante está sempre voltado para o ilimitado. Contudo, ele tem consciência de sua mortalidade, por isso, precisa buscar o equilíbrio entre o desejo que é infinito e sua realidade quotidiana que é finita; mantendo assim, uma fidelidade à sua interioridade. Para tanto, é imprescindível considerar a dialética que consiste em “manter juntos o enraizamento e a abertura”[6]. E isso acontece na concretude de vida, porém, numa perspectiva de transcendência.



[1]ARRUDA, M; BOFF, L. Globalização: Desafios Socioeconômicos, Éticos e Educativos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 105.
[2] BOFF, L, Saber Cuidar. Ética do Humano - Compaixão pela Terra. 5ªed. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 34.
[3] Id., Tempo de Transcendência. O Ser Humano como um Projeto Infinito. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 36.
[4] MURARO, Rose Marie; BOFF, Leonardo. Feminino e masculino – uma consciência para o encontro das diferenças. Rio de Janeiro: Sextante, 2002,  p. 61.
[5] Ibid.,  p. 49.
[6] BOFF, L. Tempo de Transcendência, p. 63.