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Fogo amigo queima a própria carne.

Há tempos venho chamando a atenção de quem me ouve sobre os efeitos danosos que pode causar a falta de critérios facilmente observada na utilização irresponsável dos meios de comunicação e informação que a cada dia se multiplicam. Não estou defendendo o silêncio diante dos erros, apenas creio que a moda dos paladinos virtuais está expondo-nos a todos ao ridículo, isso se não nos expõe, como creio, ao risco da falência e do descrédito.
O pior de tudo isso é que não é um fato novo. A Polícia Federal brasileira, já há muito tempo deixou de ser órgão investigativo e passou a funcionar como fonte de informação da imprensa, o que faz ao arrepio da Lei, sem o menor compromisso com a verdade ou a menor preocupação com os efeitos danosos que esse desvio de função pode causar.
Ora, sabemos que a função institucional da polícia judiciária, sejam as estaduais, seja a federal, é coletar indícios a fim de municiar de informações o judiciário, para que este julgue e puna os responsáveis pelo cometimento de ilícitos. Claro como o dia é que não está entre as funções da Polícia Federal a divulgação de informações. No site da instituição (www.pf.gov.br/institucional/acessoainformacao/institucional/competencias)  pode-se ler o seguinte: 

"A Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
- apurar infrações penais contra a ordem política e social;
- apurar infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas;
- apurar outras infrações penais cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
- prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;
- prevenir e reprimir o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
- exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras- exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. "

Mas, ao contrário do que se poderia e deveria esperar, e repito, não é coisa nova, tornou-se costume da nossa PF, mal supõe haver descoberto algo, com investigação ainda pela metade, ligar o ventilador na farofa e expor irresponsavelmente os resultados de seus trabalhos incompletos, deixando no ar as mais diversas possibilidades de interpretação, a um povo inculto, supersticioso e deslumbrado.
Poucos de nós são capazes de efetuar uma pesquisa em busca da consistência das informações que nos chegam. Grande parte dos "internautas justiceiros de plantão" não pensa um segundo nos desdobramentos de seu ato e, cedendo a uma comichão que parece incontrolável, curte, comenta, compartilha e goza com isso.
Os resultados não poderiam ser menos catastróficos. Ignoram os ilustres mexeriqueiros o fato de que o Brasil é o maior exportador de carne para o resto do mundo e que a divulgação dessas levianas inconsistências pode nos trazer prejuízos sem medida. 
O mero compartilhamento de piadas, como se observou no final de semana subsequente à divulgação da "notícia", pode ser divertida para quem o faz e assim ganha umas curtidas na rede social, mas o dano à imagem que os empresários brasileiros lutaram arduamente para construir no cenário internacional não será facilmente sanado. E tudo isso baseado em quê?  Em uma investigação que está em seu começo.

Resultado: Logo na manhã da segunda-feira a União Européia e a Coréia do Sul já se manifestaram pela interrupção à importação de carne brasileira. Que graça terá para os compartilhadores de boatos (informações sem a devida comprovação) na mídia, ter que amargar, ainda que nunca assuma ou seja responsabilizado,  o imenso prejuízo que sua infantilidade nos causará?

O que quer a Polícia Federal brasileira? Destruir um investimento que há décadas vem sendo feito na imagem do país como fornecedor de proteína animal ao mundo? Ou a PF está sendo usada como instrumento de inviabilização do governo?
Não precisamos temer a concorrência dos EUA, que competem conosco na exportação de carne. Nós mesmo damos um jeito de queimar nossa imagem e abrir espaço ao concorrente.

Parabéns Polícia Federal. Parabéns imprensa brasileira. Tendo amigos como vocês, não precisamos de inimigos.


Trabalhar, contribuir, aposentar. Como?

 Muito se tem visto e ouvido nos últimos meses a respeito da reforma previdenciária que o governo brasileiro, a duras penas, tenta implantar. Pudemos ver milhares de pessoas indo às ruas protestar contra o projeto. Todos os dias o assunto circula nos telejornais, bem como nas redes sociais e sei lá que outros meios de comunicação.
Fato é, que como tem-se tornado costume no Brasil pós-golpe de 2016 e até mesmo no período da própria construção daquele malfadado processo de impeachment, que destruiu o que podia ter restado de crédito à democracia tupiniquim, as massas tem-se dado às manifestações e protestos de forma imatura e irresponsável. E chamo aqui o etnômino tupiniquim justamente para nos forçar a pensar no quão pouco se sabe a respeito do que se fala, já que esse adjetivo étnico, embora seja comumente utilizado para designar algo como sendo originário do Brasil, na verdade é o gentílico de um dos grupos indígenas brasileiros menos conhecidos por nós mesmos.
E é desse autodesconhecimento que quero falar. Dessa falta do hábito de buscar conhecer aquilo sobre o que fala. Disso que nos qualifica como verdadeiras crianças no agir e proceder, parlapatões que somos.
Ainda ligando o que vou dizer às nossas origens indígenas, é comum se ouvir que “índio é preguiçoso”, que “índio quer ganhar as coisas sem trabalhar”. Pois bem, se assim for, eis que nós brasileiros como povo herdamos sem falta essa característica que todos execramos, pelo menos em palavras. Acontece que agora mesmo estamos todos, ainda que divididos em classes e cada uma delas a usar dos argumentos que acha, esperneando desesperadamente diante da possibilidade de alteração nos termos da legislação previdenciária, que pode nos fazer trabalhar mais tempo.
Os policiais, os professores, os vigilantes, profissionais da saúde, juízes e promotores de justiça, cada um a seu tempo, por seus meios e conforme suas forças, como um que se afoga, debate-se em busca da heteronomia, em outras circunstâncias rejeitada e sempre combatida.
Pior de tudo é que muitos se aventuram a emitir opinião, ou repetir a opinião de terceiros, sem sequer ter lido a proposta do governo. Sim, afirmo isso com segurança, pois já pesquisei entre conhecidos meus, ocupantes de distintos níveis sociais e culturais. Pouquíssimos são os que leram o projeto, embora muitos o taxam de ruim, péssimo, vergonhoso, imoral, “et cetera”.
Outro dia, conversando com um colega de trabalho, esse disse que temia ter que trabalhar até os oitenta anos. Levando-se em conta que o dito colega é detentor de diploma de curso superior, ocupante de cargo público para o qual se exige formação superior e ainda, que trabalha exatamente em um ambiente onde as leis precisam inescusavelmente ser conhecidas, sobreveio-me um certo desânimo ao imaginar o que se esperar do restante da população, uma vez que esta é sabidamente carente de formação e informação.
Não bastasse a evidente desinformação e a não menos perceptível nefasta influência causada pela desenfreada balbúrdia que o uso irrestrito da liberdade de expressão tem nos acarretado, temos nos mostrado um povo realmente preguiçoso. Nossos jovens começam cada vez mais tarde a exercitar sua produtividade e fogem da ideia de constituir previdência privada, mas não ocultam a intenção de encerrar tal exercício com a maior brevidade possível, sem se preocupar com o óbvio: quem vai sustentar seu sonhado ócio prematuro e não programado?
Ora, qualquer um que tenha um pouco de bom senso vai entender sem muito esforço que de onde mais se tira que se põe, em pouco tempo não se terá mais o que tirar. Assim é com o sistema previdenciário. Não temos o hábito de economizar e queremos encontrar na aposentadoria um fruto que não plantamos. E culpar os desvios e os governos pela conta não fechar é um reducionismo não menos infantil. Os desvios sempre ocorreram e dificilmente deixarão de ocorrer. Esses devem ser computados como os prejuízos inerentes e previsíveis que o são. O que precisamos sim, é de abandonarmos essa postura egoísta e pensarmos no futuro de forma madura e equilibrada.
Olhemos para o resto do mundo. A Europa há pouco passou por situação similar, com protestos de trabalhadores pelo velho continente afora, o que não impediu que a idade média tenha subido além dos 65 anos para os homens. Nos EUA essa idade mínima está na casa dos 66 anos e a tendência mundial, diante do crescente aumento da longevidade é de aumento também do tempo de trabalho e de contribuição. É matemática pura e simples.
Vizinhos nossos como o Chile, a Argentina e a Colômbia fizeram adequações recentemente. No Canadá não se aposenta sem 35 anos de contribuição e no Japão, 40 anos. Por que motivo o Brasil deveria ou poderia ir em sentido contrário e não buscar atualizar o modelo previdenciário?
Quanto ao nosso sistema de captação, administração e devolução dos recursos previdenciários, outros países o praticam. Se é ou não o mais adequado à nossa realidade, estudemos e o adequemos. Mas uma coisa é certa e urgente: Que quem queira se atrever a falar sobre o assunto pelo menos saiba sobre o que está falando. Primeiro leia e procure entender o texto da proposta governamental, depois julgue por si mesmo se é ou não bom para o povo como um todo, não apenas para um ou outro indivíduo, setor, ou grupo de profissionais.
É bonito ver as pessoas se organizando e saindo às ruas aos milhares na luta por direitos, mas é preocupante ver que a grande maioria não enxerga além do que esses direitos podem trazer de benefícios imediatos e individuais, ou não percebe as inevitáveis consequências de suas intervenções, ainda que legítimas.  

Cantinho do sossego




Aqui no meu cantinho do sossego
vejo as estrelas todas que quiser
as luzes da cidade não me ofuscam
e quando chove corro lá pra fora
na rede curto o som do céu caindo
em gotas se entregando ao seco chão
e se não chove ainda é bom demais

Aqui aprendo e vivo o desapego
que não vivi em outro chão qualquer
há tanta novidade e todas pouco custam
que sei, daqui nunca mais vou embora
o povo aqui te cumprimenta rindo
se vou na padaria e compro pão
no caixa ouço: depois cê volta mais

Sou bem tratado onde quer que chego
Dá pra rodar o centro todo a pé
Ainda tem gente andando de fusca...
As lojas todas abrem às sete horas
E às cinco todo mundo já vai indo
Trânsito tumultuado, aqui tem não
A pé, de carro, ou moto, tanto faz

Parado aqui eu jamais serei pego
Pois há trabalho o tanto que quiser
É só plantar que a colheita é justa
Tem cana, manga, graviola e amora
Tivesse espaço tinha um tamarindo
Colhi caju, canarinho colheu mamão
e os beija-flores em seu leva e traz

Meu Pai, este lugar é meu chamego
agrada a qualquer um que aqui vier
o lugar bom que tanta gente busca
só mesmo aqui achei até agora
em Bom Despacho, esse lugar lindo
foi que vim sossegar meu coração
agora sei que vou viver em paz.

O que quer uma mulher


O que quer uma mulher?

Weverton Duarte Araújo




Ouçam senhor sizudo morávio 

e neológico francês o que quer 

o vasto negro e insondável

continente a que chamam mulher

mais que ser objeto-a indomável   

apenas ser única é que ela quer.



Ser cortejada de um louco andarilho

sem o saber como Cervantes fez

Mãe de um deus-falo e tão pouco filho

mas sem perder de Maria a jaez

indo adorada por mãe de um caudilho

vê-lo perder-se sem pompa e altivez



Nada mais pede a maldita sem nome

 Que vós bem mortos fiquem a eternidade

E não lhe encontre o desejo e a fome

Mas que lhe encaixe uma identidade

Já que o tempo a tudo consome

Também consuma a vossa maldade


O que deseja esse ser que não-é

e mesmo assim em si sente orbitar

as tão profusas pulsões inconscinentes

Tão pouco almeja, enfim tenham fé

que quer apenas um certo lugar

onde dispor seu sujeito indigente


 Mas esse ser e não-ser delicado

por mais que ache o viver desatino

e leve o peso sem tê-lo buscado
 
inda que sofra não larga o destino

qual dócil anho suporta calado

dando ao viver um tal qual que divino


E mais o que poderia querer

que vossa douta ciência olvidasse

pois do mau fado aceitou ser cativa

só se a vendo na Terra a sofrer

um deus confuso ao céu a elevasse

e de mortal lhe fizesse uma diva.