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COVID19 - Quem de nós sobreviverá?

Weverton Duarte Araújo

E veio sobre nós a pandemia que inviabilizou o ano de 2020. E nos vimos, de uma hora para outra, privados de poder respirar livremente, de trabalhar como antes, de nos relacionar, de abraçar, de sentir o toque do outro. Isso nos deixou diante de algo que até então, não dávamos importância, já que a vida na sociedade de consumo do século XXI, não nos permitia mais que uma aproximação movida por um interesse em relações utilitárias, ainda que encobertas por um discurso falseado, pleno de aparência humanitária, cristã, fraterna, quase divina.

E caiu sobre nós, como castigo dos deuses, a dura verdade de que não passamos de animais inescrupulosos, sedentos da materialização de nossos desejos, à revelia do desejo do outro, da dor do outro, da própria existência de um outro como sujeito. Estamos experimentando o que o outro recebe quando se relaciona conosco.

E nos soterrou a avalanche de clareza sobre nós mesmos, já que o afastamento se tornou compulsório, ou, se não isso, moralmente imposto, eticamente inevitável. Daí, que nos restou como companhia, o ser que mais pode nos assustar... nós mesmos. Muitos ainda não tomaram consciência disso, mas o isolamento social, em suas diversas modalidades e intensidades, tem causado esse efeito de aproximar as pessoas de si mesmas. Daí estarmos nos "analisando" mais que o de costume. E isso pode causar grande angústia. Agora, somos forçados a olhar mais para o espelho que para o outro.

O autoconhecimento pode nos trazer a dura realidade de termos que nos enfrentar sem máscara, sem maquiagem, sem o anteparo do olhar do outro, que sempre nos protege e nos afaga o ego. Por outro lado, pode nos trazer também, o benefício de nos levar para mais próximo da realidade, da qual fugimos constantemente, através dos mais diversos subterfúgios. Talvez então, tudo isso que tem acontecido, possa nos levar a um maior nível de autoconhecimento, como aconselhava a filosofia grega, desde os tempos antigos, ao gravar no pórtico de Delfos a célebre frase "nosce te ipsum", ou seja, "conhece a ti mesmo".

Entre outras possibilidades de abordagem a esse hercúleo desafio, a Psicanálise propõe um "sujeito analisado", como resultado de um trabalho de autoconhecimento, pela via de um esforço em direção ao "arché", ao princípio, às origens traumáticas que nos levam a repetir mecanismos de defesa, em reação às angústias geradas pelos conflitos que a vida cotidiana nos impõe.  

Em resumo, podemos neste momento que a muitos parece aterrorizante, apostar em uma mudança para melhor na sociedade, considerando a crescente quantidade de pessoas que, voluntária ou compulsoriamente, estão procurando ajuda especializada para lidar com essa mudança, que nos pegou a todos no contrapé. Em outras palavras, não é necessário ver a atual situação como desesperadora, mas, pelo contrário, como no dito popular oriental, podemos fazer da crise, oportunidade, mudando apenas o ponto de vista sobre o mesmo tema. Que o que não nos mate, nos fortaleça.

A pandemia em 2020 pode ser um marco de uma importante mudança de comportamento da sociedade mundial. Os que conseguirem entender a tempo o que está acontecendo, terão maiores chances de contar a história dos que resistirem à realidade e optarem por não se adaptar ao novo modo de vida que se impõe de forma imperativa. E mais uma vez, o pensamento racional de Charles Darwin se sobrepõe à loucura criacionista: o mais apto sobreviverá.