Quem
se lembra do que eu escrevi nessa mesma época no ano passado, vai me
achar repetitivo. Ainda bem que pouca gente lê o que eu escrevo, o
que diminui minhas chances de ser repreendido. Por outro lado,
resolvi ousar um pouco desta vez e trazer à tona algumas
informações que são pouco discutidas e creio, propositalmente
deixadas de lado.
A quem possa causar algum estranhamento as afirmações que faço aqui, aconselho ler a Bíblia Sagrada com olhar crítico e desprendido. Foi lá que encontrei a narrativa dos fatos que aqui pintei com minhas cores. Me nego a informar livro, capítulo e versículo para cada afirmação que fizer. Isso não é uma pregação. É uma crônica. Ou acreditem em mim, ou leiam a Bíblia e estudem a tradição judaica e cristã.
Então,
vamos ao assunto do momento. Então, vamos falar de Páscoa. Mas,
vamos falar de que? De coelhinho, de chocolate, de ovos, de Jesus, ou
de memorial de libertação?
Ao
logar nas redes sociais nesta manhã, já pude observar, outra vez, as românticas
manifestações antecipadas de desejo de paz, prosperidade, luz,
energia, brilho, estrelinhas, purpurina, etc. Já vou avisando aos
incautos: Isso é lindo, mas fica melhor no Natal. Agora é hora de
chocolate, de omelete, coelho ao molho madeira, sei lá.... Mas,
voltemos ao que interessa: A Páscoa.
Aposto
meus dois braços, que se fizermos uma pesquisa nas ruas hoje,
perguntando às pessoas apenas o que significa a Páscoa, teremos uma
surpresa desagradável. Afirmo isso, porque já fiz a tal pesquisa.
Não coloquei uniforme do IBOPE, nem fui abordar os transeuntes na
Praça 7, é claro, mas, busquei no meus círculos de relacionamento,
incluindo família, amigos, colegas diversos... Foi triste. Ninguém
sabe como essa coisa de ovos de coelho começou.
Afora
o desconhecimento geral da origem das coisas, que para a sociedade
brasileira não é coisa assim tão assustadora, me incomoda um outro
tanto, a mistura de informações que descaracteriza completamente a
intenção do evento.
Segundo
o relato bíblico, ou a tradição judaico-cristã, a Páscoa foi uma
data estabelecida como um memorial para o povo que saiu do Egito,
guiado por um líder carismático insurgente contra o politeísmo
local. Esse líder, Moisés, convertido a um monoteísmo até então
desconhecido da maioria de seus seguidores (já que toda aquela
geração se formara no Egito e ali assimilara a religião nos
moldes egípcios, obviamente), criou, para manter seu rebanho de
fugitivos unido, uma série de leis civis e preceitos religiosos
muito bem elaborados, capazes de responder suas pequenas demandas
filosóficas cotidianas.
Num
sistema religioso marcado por uma rígida ritualística, as
comemorações de momentos como o início do Êxodo, tinham uma
importância fundamental na manutenção da união do povo e da
consequente persecução do principal objetivo que os guiava, ou
seja, a tomada (tomar aqui, pode ser lido como apropriar-se indevidamente, pelo uso da força, tipo quando um ladrão entra na sua casa e toma o que é seu) das ricas e produtivas terras de Canaã e o estabelecimento de uma
Nação, que depois se chamaria e até hoje se chama Israel.
Passam
os tempos e surge um grande reformador, herdeiro que se confessava,
da tradição judaica, mas influenciado por um politeísmo trinitário
banhado na filosofia grega. Paulo de Tarso tratou de adaptar ao seu
discurso as mais importantes frações míticas do sistema religioso
ao qual se opunha, minando-o pela imposição de uma modernização
das práticas rituais, até que se estabeleceu o pseudo-monoteísmo
paulino, que evoluiu para o decrépito e insustentável sistema que
atualmente é chamado cristianismo. Mas muitas comemorações
continuaram a ser lembradas por séculos, inclusive a Páscoa, agora
com o intuito de perpetuar o mito da ressurreição de Jesus de
Nazareth estendida por osmose aos que o aceitem como deus.
Reformas
e mais reformas se sobrepuseram. Hoje o mundo é regido mais que
nunca, pelas leis do comércio, pelo capitalismo consumista. Não
importa mais a manutenção de um mito para manter a estrutura da
coletividade, mas, a mera exposição de status, a fim de sustentar o
indivíduo, focado em si mesmo contra tudo e contra todos. Você
precisa provar que tem o poder de comprar coisas, para ser aceito na
sociedade que compra e vende.
Então,
os responsáveis pela divulgação dos ritos repetem ano após ano a
mesma fórmula de sempre, apoiando-se na estrutura decadente do
sistema religioso que ainda aproxima o discurso de grande parte das
massas consumidoras, usando seus antigos ícones mitológicos, sem
deixar de dar um toque de modernidade, sem o qual não seriam eles
atrativos.
Eis,
portanto, em que se resume o significado da Páscoa, assim como das
demais comemorações de datas religiosas nos tempos da
pós-modernidade: no mascaramento da mera exposição (ou imposição?)
de mercadorias a preços exorbitantes, sob o manto carismático e até
mesmo hipnótico do eufêmico discurso religioso, que ultimamente nem
se faz mais necessário. Basta que uma data seja coincidente com o
que um dia aludiu a um momento importante, que os mais jovens nem se
preocupam em saber de que se tratava.
Importa
comemorar, abraçar e desejar coisas boas, comprar, manter-se na
moda. Ninguém tem tempo pra questionar sobre a relação de coelho
com ovos, chocolate, Jesus, libertação, Grécia antiga, Egito... Isso
cansa.