Dificuldade de mudança
Weverton Duarte Araújo
Weverton Duarte Araújo
Nesta breve análise do tema, vamos abordar
duas perspectivas diferentes, mas que de certa forma se completam. Enquanto o
psiquiatra Gikovate dá um tom fatalista, propondo a inevitável marca traumática
a todo aquele que nasceu, o psicólogo Johnson supõe que muitos, mas não todos,
por mera inobservância das alterações cotidianas, se surpreendem ante as
mudanças significativas.
Trauma
do nascimento
Flávio Gikovate postulou que o medo da
morte e por semelhança, o medo de mudar de uma situação para outra até mesmo
supostamente melhor, mas, desconhecida, leva o sujeito de volta ao trauma do nascimento, quando
ele sai de uma situação totalmente confortável, onde tudo acontece de forma
automática, sem qualquer esforço, sem "trabalho", sendo forçado a ter
que respirar, buscar alimento e sofrer diversos tipos de incômodos e privações.
Gikovate diz que o medo das mudanças,
representado pelo grande ícone do medo da morte (a mudança mais enigmática que
podemos supor, já que não há quem possa relatar seus efeitos) não se explica em si mesmo, pois nem sempre o momento da morte
pode ser classificado como doloroso ou traumático.
Esse medo se justifica na
comparação que o indivíduo faz com o medo que mais lhe atormenta, qual seja, de
sofrer novamente a dor e a angústia experimentados no trauma do nascimento. Esse sim, é
possível ser observado e constatado (não é comum o registro de alguém que tenha
nascido sorrindo, sem dor, sem algum tanto de angústia).
Assim podemos inferir que quanto mais complexo, doloroso e angustiante tenha sido o trauma do nascimento, mais o
sujeito terá dificuldade em colocar em prática qualquer tipo de mudança, mesmo
que esteja consciente de que ela lhe será benéfica mais adiante.
O psiquiatra e escritor supõe que o
sujeito vincula as grandes ou importantes mudanças na vida com a imagem
traumática que elas guardam do seu primeiro trauma da transição da condição de
feto à de bebê (o trauma do nascimento). Daí se explicaria o fato de se evitar
ou protelar a realização das mudanças. Obviamente, cada pessoa desenvolveria
maior ou menor resistência às mudanças, quanto maior ou menor tenha sido o
trauma pelo qual passou no momento do nascimento.
Quem
mexeu no meu queijo?
Spencer Johnson usa uma fábula
aparentemente inocente, numa linguagem quase infantil, para expor sua opinião
acerca dos motivos causadores da dificuldade no enfrentamento das mudanças. Em
resumo, ele pontua que:
1- Nós nos habituamos a encontrar as coisas sempre no mesmo
lugar e ficamos incomodados quando elas mudam. Isso pode apontar para um certo
grau de “preguiça”. Quanto menos esforço, melhor. Criamos rotinas
baseados em nos manter na “zona de conforto”.
a.
Não questionamos sobre o
fato de que as coisas podem ter sido diferentes do que são quando nos agradam.
b. Não perguntamos se alguém começou a
colocar o queijo lá e esse alguém pode parar de colocar um dia, ou simplesmente
mudar o queijo de lugar.
c.
Não nos preparamos para uma
possibilidade de mudança. Exemplo: As pessoas não se preparam para a
aposentadoria, o envelhecimento, a morte. Quando chega a hora da inevitável
mudança, muitos são pegos de surpresa e alguns até adoecem.
2- As mudanças não acontecem sempre repentinamente. Na verdade,
o que ocorre é que, quando percebemos algo marcante, que dá nome a uma mudança,
aí é que vamos passar a observar que algo mudou. Mas, na verdade, as coisas
frequentemente vão mudando aos poucos.
Exemplo do sapo na água quente. (Se você
tira um sapo de uma lagoa e o coloca em uma panela com água na mesma
temperatura na qual ele se encontrava, depois vai aquecendo a água
gradativamente, o sapo vai morrer cozido, por que vai se adaptando às pequenas
mudanças sem questionar. Porém, se o coloca direto na água quente, ele pula pra
fora, ou seja, percebe de imediato a grande mudança).
Os casamentos não se deterioram de um dia
para outro. As empresas não quebram com pequenas flutuações na economia, nem
uma guerra se inicia sem que seja possível perceber os sinais de que a situação
ia mudar, ou estava mudando.
3- Quando a mudança acontece, o casamento acaba de vez, a
empresa abre falência, a guerra é declarada, a primeira reação que mais
frequentemente se observa é a incapacidade de lidar com a auto
responsabilização. Perdemos muito tempo e gastamos muita energia em refutar o
inegável ou em buscar um responsável pela mudança que nos afetou por não termos
nos preparado para ela. Muitos motivos alimentam essa reação tão perniciosa.
Precisamos detecta-los rapidamente se quisermos evitar o desgaste e o
sofrimento desnecessário.
Se você estiver em um barco e de repente
percebe que ele está furado, de nada vai adiantar tentar descobrir quem foi o
responsável pela origem do furo, ou reclamar da injustiça que será se você
morrer pela falta de responsabilidade de alguém.
Conclusão:
Podemos supor que a motivação para
temermos as mudanças e criarmos mecanismos de sabotagem que não raramente
tornam tais momentos difíceis resida na comparação inconsciente que fazemos com
o trauma do nascimento. É uma explicação relativamente fácil de se aceitar.
Por outro lado, temos a proposta de
Spencer Johnson, que explica o processo de mudança como algo dinâmico. As
mudanças ocorrem de modo constante. As dificuldades se justificam pelo fato de
que as pessoas não se dão conta disso, ou seja, vivem de forma automática, sem
se preparar para eventuais alterações no estado das coisas.
Assim, são pegas de surpresa por mudanças
que se anunciaram e ocorreram em etapas. As pequenas alterações são desprezadas
em função das mais diversas justificativas.
Carecemos de inteligência, conforme os
conceitos do termo abaixo elencados (fonte: Wikipédia):
1- Faculdade de conhecer, compreender e
aprender;
2- Capacidade de compreender e resolver
novos problemas e conflitos e de adaptar-se a novas situações;
3- Conjunto de funções psíquicas e
psicofisiológicas que contribuem para o conhecimento, para a compreensão da
natureza das coisas e do significado dos fatos.
4- Habilidade de intencionalmente
reorganizar informações para inferir novos conhecimentos.
E, finalmente, essa excelente definição
dada por um grupo de pesquisadores do Mainstream Science on Intelligence:
"uma capacidade
mental bastante geral que, entre outras coisas, envolve a habilidade de
raciocinar, planejar, resolver problemas, pensar de forma abstrata, compreender
ideias complexas, aprender rápido e aprender com a experiência. Não é uma mera
aprendizagem literária, uma habilidade estritamente acadêmica ou um talento
para sair-se bem em provas. Ao contrário disso, o conceito refere-se a uma
capacidade mais ampla e mais profunda de compreensão do mundo à sua volta -
'pegar no ar', 'pegar' o sentido das coisas ou 'perceber' uma coisa."
Só pelo uso da inteligência poderíamos
nos antecipar às mudanças de forma preventiva, acompanhando o desenvolver dos
fatos e fazendo prospecções, de modo a podermos inferir as possibilidades de
mudança e não sermos surpreendidos. A dificuldade estaria na surpresa e não na
mudança em si.
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O texto acima resume a palestra
apresentada em 06/12/2016 na biblioteca pública municipal de Bom Despacho - MG, por Weverton
Duarte Araújo e Hélio José Ferreira Junior.
Bibliografia
básica:
GIKOVATE, Flávio - Mudar -
caminhos para a transformação verdadeira.
JOHNSON, Spencer - Quem
mexeu no meu queijo?
ROSNER, Stanley/HERMES
Patricia - O ciclo da auto sabotagem.
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