Alma lisa, corpo estúdio.
Sua alma se foi, não se vê, não se sente. Só seu corpo insiste em se fazer presente.
Sua alma se foi, não se vê, não se sente. Só seu corpo insiste em se fazer presente.
Seu corpo, que sem querer lhe
deram sem você pedir, pois você não nasceu do amor, nem teve infância. Você
nasceu para a dor e foi criada para a ganância. Não lhe ensinaram a amar seu
corpo, mas fazê-lo amado. E assim você fez de si um corpo ferramenta, um corpo
arma.
Seu corpo você deu a quem pediu,
emprestou, alugou, vendeu. Em fotos, em filmes, jornais, revistas, cartazes e
outdoors. Seu corpo serviu para alimentar desejos e até dar vida.
Da vida dada,
outro corpo a ser usado. O usaram e vão continuar usando. Eis que a ganância
orientou a guerra, a ameaça, a extorsão e a loucura.
Um dia tiraram
seu corpo de cena. Não mais o vemos nem sabemos se vive como nós. Mas não
importa. A lembrança dele, a busca por ele sustentam as ameaças e os processos,
os flashes, as promoções pessoais e a venda de jornais. Seu corpo enriqueceu
alguns, empobreceu outros. Deu fama e poder, cargos e lucros. Encarcerou,
matou, destruiu, espalhou desgraça e dor.
Mas vem a
noite e seu corpo habita o imaginário e a lembrança de muitos. Incomoda,
assusta, aterroriza talvez. Seu corpo permanece presente. A cada ossada
encontrada o suspense se estabelece: pode ser seu o corpo que aparece. Fantasma
de uns, tesouro de outros.
Mentem, desdizem, inventam histórias, dizem se lembrar
de onde está, mas logo se vê que era só busca de novas glórias. Onde andará seu
corpo agora? Nenhum cão o devorou. Não virou fumaça. Você passou, mas seu corpo
não passa.