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Abuso Espiritual - problema grave e atual

Não há dificuldade para enxergarmos em nossos dias, tanto no meio secular quanto nos tantos redutos das diversas vertentes de manifestações religiosas com as quais convivemos, situações de manipulação, controle, opressão. Esta é apenas uma das facetas da ação do ser humano contra sua própria espécie, oprimindo e espoliando o semelhante, às vezes em função da satisfação do próprio ego. A essas situações chamaremos aqui de abuso espiritual, posto que frequentemente ocorrem a partir exigência do uso da fé e do exercício da espiritualidade para a concretização da circunstância que evidencia a manipulação e o abuso.
Uns dominam pela via política, outros pela violência física, pela hierarquização das relações sociais, comerciais, de trabalho, enfim, sempre que há relação entre seres humanos, pode-se esperar algum tipo de dominação, manipulação e abuso, como se pode observar na história de todas as civilizações conhecidas.
No caso específico da manipulação e do abuso espiritual, há um agravante que combina a ganância e a ignorância. Ganância por parte de ambos, abusado e abusador, pois o primeiro acredita na loucura de poder manipular o poder da divindade em seu benefício, como um gênio da lâmpada. O segundo, por sua vez aproveita a ocasião para se beneficiar materialmente ou para se afirmar socialmente às custas da exploração da loucura do primeiro. Ignorância também por parte de ambos, pois quando assim agem, demonstram desconhecer o sentido da existência humana, o conceito de ética e de moral; demonstram enfim, a condição desumana e desumanizadora de suas existências.
Tornou-se comum, pessoas sem formação adequada, ou seja, sem formação profissional específica nas áreas ligadas ao estudo do comportamento humano, se aventurar a “dar conselhos” pela TV, usando exemplos de problemas comuns da vida cotidiana das pessoas para apresentarem suas propostas de solução por atacado, como se isso funcionasse da mesma forma para todos. É claro que talvez nenhum desses animadores de programas de auditório assuma pretender influenciar os seus espectadores em suas decisões do dia a dia, mas não se pode negar que isso acontece, já que é conhecido o poder de influenciar que tem a televisão, principalmente sobre pessoas naturalmente frágeis ou debilitadas por problemas.
Não bastasse a falta de preparo profissional desses “líderes virtuais” de massas, alguns deles apelam para a fé religiosa de sua plateia, criando situações de verdadeira manipulação e abuso espiritual, nas quais as pessoas passam a acreditar na necessidade de seguir as orientações doutrinárias impostas sutilmente em tais programas, como forma de resolver seus problemas. E não unicamente os problemas espirituais, mas, todo e qualquer tipo de problema, desde uma enfermidade simples, ou problemas de relacionamento familiar, à restauração do casamento. As questões financeiras também são tema e costumam receber maior destaque, gerando frequentemente notícias de golpes, extorsões, desvios, manipulação e abuso.
Da mesma forma que pela TV, essas verdadeiras empresas, encabeçadas por figuras carismáticas, de discurso eloquente e aparência próspera, arrastam multidões para seus templos, onde as “ovelhas” são submetidas a uma verdadeira “tosa” de seus bens materiais, além de serem aprisionadas em jogos de manipulação violentos e cruéis. O pior é que tudo isso é feito em nome de Deus e da obra redentora de Jesus Cristo.
Mas não se pode perder de vista a realidade de que essas vítimas de abuso não foram arrastadas violentamente, nem dopadas ou totalmente enganadas. É fácil perceber que grande parte dessas pessoas busca uma cura milagrosa instantânea, uma solução imediata para seus problemas. E mais, estão quase sempre dispostas a "pagar" por isso. O que quase todos não querem é compromisso ou vínculo com a igreja e com Deus. É a moda da religião "fast food", sob encomenda e com um fim específico e momentâneo.
Um dia, porém, muitas dessas pessoas se percebem perdidas no meio dessa situação, na qual entendem que não precisam e não devem ficar e resolvem abandoná-la. É hora de receberem a escuta e a acolhida do aconselhamento sadio e o cuidado adequado para a reconstrução de sua estrutura psico-espiritual, que nesses casos, frequentemente fica em frangalhos.

Resenha do texto Clínica e Transmissão: o que a morte pode nos ensinar disso? de Andrea Vilanova

VILANOVA, A. . Clínica e Transmissão: o que a morte pode nos ensinar disso?. In: Ana Cristina Figueiredo. (Org.). Psicanálise - pesquisa e clínica. 1 ed. Rio de Janeiro: Edições IPUB / CUCA, 2001, v. , p. 25-55.



Andréa Vilanova, Psicóloga com mestrado em Psiquiatria, Psicanálise e Saúde Mental, é atuante na clínica e também na pesquisa no Rio de Janeiro.

Em seu capítulo Clínica e transmissão: o que a morte pode nos ensinar disso?, no livro Psicanálise – Pesquisa e clínica, ela apresenta a Pesquisa Clínica em Psicanálise desenvolvida no Instituto de Psiquiatria IPUB/UFRJ, que busca manter a fidelidade à proposta de Freud, de que a clínica deve manter-se como produtora de resultados diretos sobre o fazer e o pensar psicanalíticos, ao incidir sobre o analista. Seu ponto de partida é a orientação de Freud, respeitando-se a manutenção do trabalho clínico orientado pela descoberta do inconsciente como aspecto indispensável do discurso analítico.
A autora chama a atenção para o fato de que a transmissão da Psicanálise se faz fundamental para que esta tenha um lugar na clínica contemporânea. E propõe, com base em Lacan, que a clínica é o que há de indispensável para que esta transmissão ocorra. Assim, define o mote do trabalho que pretende apresentar: como os vieses dessa transmissão atravessam a clínica do psicanalista numa instituição médica.
Vilanova então, seguindo a direção de uma discussão da prática do psicanalista no hospital geral, em contato com pacientes terminais, orienta seu trabalho de pesquisa de mestrado na direção de situar os limites estabelecidos pela psicanálise e pela medicina em relação à morte. Como resultado, adianta, atinge a possibilidade de estabelecer novos parâmetros para a morte sob a perspectiva psicanalítica, que se distanciam da visão da medicina.
Para estabelecer o alicerce de suas afirmações, Vilanova evoca Foucault, cuja companhia lhe serve de aporte teórico para rememorar numa detalhada explanação, o desenvolvimento da ciência médica desde o século XVIII, bem como de como se desenvolveu também o conceito da morte no decurso dos tempos, frente à evolução da medicina, destacando como marco da assimilação da morte pelo discurso médico, a introdução do método anatomopatológico, no final do século XVIII. A pesquisadora pontua que a clínica, configurada por este método e precursora da ciência moderna, estabelece o estatuto epistemológico que funda o sujeito da ciência, ao qual Freud dá voz pelo método psicanalítico. A Psicanálise então, se solidariza com a medicina, sem perder sua visão diferenciada, pois, enquanto a medicina percebe a morte com o caráter de finitude, Freud a apresenta como princípio regulador da vida.

Após muitas postulações com referencia ao método da medicina em comparação ao da Psicanálise, Vilanova se posiciona firmemente na defesa de que o médico sempre vai se deparar com a situação em que não há o que fazer, mesmo porque seu saber é orientado pela manutenção da vida. Assim sendo, o psicanalista sai em vantagem, pois, diante da iminência da situação sem solução, seu discurso é que: ``suportar a falta radical que o trágico exacerba não significa buscar freneticamente uma solução, mas, suportar o impasse``. Nesse ponto a autora já conduz o leitor à tônica do discurso psicanalítico, citando exemplos de casos clínicos, nos quais se evidencia a necessidade de dar voz ao sujeito, especialmente diante da proximidade da morte, quando parece que já não há mais o que se dizer.
Por fim, a autora credita ao psicanalista o ônus de criar instrumentos que proporcionem a tradução do que a prática da clínica psicanalítica produz de saber que se faz necessário ser transmitido.
O texto é de uma técnica lingüística de alto nível, claramente destinado a portadores de conhecimento acerca do tema, até mesmo pela aplicação de terminologia específica. O leitor incauto pode perceber um tom de crítica à medicina, pela forma apaixonada com que a autora apresenta a psicanálise dando respostas onde a ciência se cala.

Vale a pena ler. Fala da morte e uma perspectiva dos seus mistérios.

Lembrança dos tempos da faculdade de Teologia

Pouco tempo após a formatura, a 1ª turma de bacharéis em Teologia da FATE-BH
com reconhecimento do MEC já não se encontrava mais, mantendo poucos contatos apenas por e-mail e um grupo de discussão que se formou mesmo pra não deixar o pessoal se dispersar (o grupo também durou pouco e não deu qualquer fruto).
Certo dia, foi veiculado na internet o desabafo do apresentador de televisão Luciano Huck, que tinha sido assaltado e perdido seu Rolex.
Uma das nossas colegas, queridíssima do grupo, mas de postura um tanto conservadora, manifestou-se contraria à indignação do apresentador.
Segundo ela, ele precisava se converter .

Aí eu não aguentei...... escrevi o texto abaixo e mandei pra ela(na transcrição abaixo,substitui o nome dela por *****, por questão de ética e respeito).

Anos depois, resolvo publicar o texto, que ainda é bastante atual e ainda reflete o que penso. Espero que sirva para algo de bom, ou seja, pra fazer alguém pensar.....

Vamos ao texto:

Desculpe *****, mas é lamentável ter que concordar com o Luciano e ao mesmo tempo, concordando, discordar em parte de você.
Sabe o que eu acho disso tudo? Acho muito normal. Quero dizer: acho que isso não tem outro jeito de acontecer, não.
Acho mais...
Que a Igreja que está aí não vai resolver porcaria nenhuma, nem hoje nem nunca.
Acho também, que esse cristianismo performático estabelecido em nosso meio, é uma farsa criada para manipular a populaça faminta, que recebe "pane et circus" e se cala diante do sangue derramado da própria mãe.
Aquele judeu de Tarso destruiu todo o sistema filosófico que Jesus arquitetou.
Que mais você espera, de um grupo que vive um sonho coletivo totalmente fora de propósitos e sem compromisso com a realidade?
Cristianismo de fim de semana.
Um grupo de mútua vigilância, em busca do erro do outro, e não de cuidar do outro lá fora, carente de amor, não de palavras pomposas e vazias, de sentido duvidoso e inseguro.
Um grupo que quer ser chamado pelo nome de cristão, mas que nunca fez ou pretendeu fazer o que o Cristo ditou como regra de comportamento. Não estou falando de moral sexual ou social, mas de comportamento fraterno em relação ao outro, seu semelhante.
Um grupo que adora repetir chavões e jogar a responsabilidade das mudanças no "sangue de Jesus". Se o sangue de Jesus não resolver o problema, eu é que não resolvo.
Um grupo de egocêntricos retrógrados, que arrepia todo ao perceber que os "diferentes" agora têm o direito de fazer parte de suas fileiras. É isso mesmo: Morrem de medo de ter que se sentarem ao lado de um homossexual, de um viciado, de uma prostituta, de qualquer pessoa que tem sua verdadeira face exposta, no banco de sua igrejinha nojenta, hipócrita e doente, mas que se orgulha de ser o lugar dos "santos" e eleitos.
Dá vontade de vomitar quando ouço a falsidade do "fale pro irmão do seu lado que ele é importante pra você". Lá fora, longe do calor aconchegante do templo, no dia-a-dia desse mundo cão, estão os que deveriam ser importantes pra você. Mas, esses são pecadores, sujos e mal cheirosos, não é mesmo, igreja?
E vem você (não você *****, mas você, igreja) com esse discurso hipócrita de que temos que falar do amor de Jesus, falar do poder do sangue, falar disso e daquilo e pronto?
Sabe o que a igreja tinha que fazer? Tinha que ficar calada e AGIR. Jesus não mandou ninguém sair falando pelos cotovelos não. Tudo o que ele fez foi AGIR. Aí, quando a gente convida um grupo de Teólogos recentemente formados por uma escola de postura revolucionária, para discutir os problemas atuais e tentar apontar possibilidades de saída, adivinha qual é o resultado? Cada um tem um problema pessoal pra cuidar, uma reunião de célula pra comandar, uma igreja para pastorear. Tudo, menos discutir o problema e buscar uma solução.
Quanto ao Luciano Huck, querida *****, ele está fazendo o que eu fiz quando fui assaltado (e já fui três vezes - perdi minha moto, meus documentos, meu celular, etc. - só não perdi um ROLEX porque não tinha um). Ele está jogando pra fora sua ira, vomitando a sensação de impotência que ficou em seu estômago. Não creio que ele precise de um "salvador" como o que o cristianismo tem pra oferecer. Isso só iria colocar uma pedra sobre sua indignação, como aconteceu comigo. Amanhã ele ganha outro Rolex e dentro de dois meses tudo volta ao normal.
Até a Igreja, vai ficar meio agitada nos primeiros dias após algum acontecimento indesejado e constrangedor, mas, vai voltar ao seu lugar dentro de algum tempo. Eu já assimilei as perdas. Todo mundo assimila, mais cedo ou mais tarde.
Aí o hipócrita do Weverton vai lavar as mãos e dormir o sono dos justos, pois já falou o que tinha que falar. O importante é que, no porvir, nenhum sangue poderá ser cobrado das minhas mãos, porque eu falei o que tinha que ser falado. Jesus que se vire e ache alguém pra pagar a conta.
Obrigado *****, por ter dado o corte necessário a esta verborragia alucinada, talvez ineficaz e carregada de ressentimento e sensação de impotência.

Abraço fraterno.
Weverton.

Geeeente..... eu nem tinha lido ainda o vol. XXI do Freud....