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Os livros da lei.

Desde sempre o homem se pergunta sobre suas origens, sobre sua identidade e sobre seu futuro. As religiões tentam apaziguar a tais questionamentos, dando aos menos inquietos, certo grau de satisfação com suas respostas, nem sempre razoáveis, posto que, invariavelmente, a fé é o requisito básico para a sua compreensão.
A primeira grande pergunta da Humanidade, “de onde venho?”, encontra certo equilíbrio entre as respostas da maioria das religiões.
Diversas teogonias, ou seja, propostas de sistematização da historia da origem divina de um grupo humano, com seus panteões de deuses, mitos e odisséias, habitaram e habitam a mente dos povos desde os mais imemoráveis tempos.
Chamamos de teodicéia uma tentativa de explicar, por exemplo, a existência do mal dentro dos sistemas teológicos, quando estes afirmam que Deus é todo-poderoso, todo-amoroso e justo. Em outras palavras, o “teodicista” é responsável pela defesa de uma teologia, diante de suas eventuais aparentes contradições, criando uma resposta para os problemas de consistência lógica, frequentemente apontados pelos seus opositores.
As teologias são proposições humanas, no sentido de tentar sistematizar as diversas formas pelas quais o homem explica, ou tenta explicar sua relação com a divindade. Embora seja questionável, grande parte dos teólogos alega receber das próprias divindades a elucidação que propõem, enquanto outros se entregam à sistematização daquilo que já se estabeleceu como verdade na crença popular.
Os diversos pontos de vista apontados são, em sua maioria, divagações sobre um mesmo tópico, como por exemplo, a divindade de Jesus Cristo, as formas de manifestação do Espírito Santo, a autoridade de um determinado profeta ou de uma religião sobre as outras e assim por diante.
Cada teologia surge por força de embates doutrinários, questões sociais, ou outras particularidades da cultura e da época em que surge. Na verdade, cada teologia é mais uma tentativa de contextualizar e atualizar as noções já conhecidas sobre Deus e seus desígnios. Há propostas complexas e bem elaboradas, entre outras muito simples e objetivas.
O cristianismo propõe o surgimento do Universo e de todas as coisas a partir do nada, por uma manifestação da vontade soberana de um ser supremo, invisível, inacessível e inexplicável. Para sua própria glória, a tudo cria e espontaneamente se revela a determinada parte da humanidade, elegendo segundo sua vontade seus representantes no planeta, aos quais se dirige, ensina, protege e castiga, conforme as circunstâncias. Tal ser não tem um nome, ou tem um nome tão sagrado, que é chamado apenas de Deus ou “Senhor” e é entendido como o único de sua espécie, embora subsista em três pessoas distintas, a saber, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, os quais se relacionam harmoniosamente entre si e com o ser humano, cada um a sua maneira e com seus objetivos distintos.
Não podemos deixar de considerar outras manifestações religiosas que se distanciam do ponto de vista do cristianismo, como por exemplo, a Umbanda, que tem suas raízes nas tradições africanas, mas é tida como uma religião tipicamente brasileira.

Independente da origem, cada grupo religioso tem seus ritos, responsáveis pela manutenção dos respectivos mitos, sem os quais, nenhuma religião subsiste. Assim, enquanto sistemas religiosos como a Umbanda e o Candomblé, alinhando-se com a maioria das religiões familiares e tribais de origem africana, preservam o hábito de perpetuar seus mitos sem a utilização de um texto escrito, outras tantas se esmeram em produzir verdadeiras bibliotecas para auxiliar na execução desse trabalho.
Entre as grandes religiões monoteístas, sejam elas, o Cristianismo, o Islamismo e o Judaísmo, o “Livro da Lei” pode apresentar características diversas:
  • Pode ser uma compilação de escritos de um único autor, como o Corão dos Muçulmanos, cuja autoria é atribuída ao profeta Mohamed, que o teria recebido por inspiração divina em meados do século VI, embora as 114 “suras” ou capítulos que o compõem, só tenham sido escritos após sua morte;
  • Para os judeus, a Tanak, que reúne em 24 livros A Torah (a Lei, ou o Pentateuco mosaico), os Neviim (livros históricos e proféticos) e os Ketuvim (demais escritos). Este cânone foi estabelecido por volta do ano 100 d.C., por um concílio específico;
  • No cristianismo, uma obra muito mais volumosa que se tornou conhecida como a Bíblia Sagrada, reúne 66 livros, alguns comuns à coletânea judaica, mas, com foco no grupo chamado de Novo Testamento, onde são apresentadas as doutrinas formuladas a partir do pensamento e das ações de Jesus, o Cristo, ou Yeshua, o Messias, que as profecias judaicas anunciavam havia séculos. A compilação dos escritos que compõem a Bíblia foi elaborada entre os anos 314 e 317, no concílio de Nicéia, mas alterada pelo movimento reformista iniciado por Martinho Lutero, de modo que temos atualmente, duas versões básicas, uma das quais é utilizada pelos católicos romanos, segmento mais conservador e fiel ao primeiro cânone, em oposição ao grupo conhecido como protestantes, ou evangélicos, adeptos do texto luterano.
Mesmo internamente, essas duas ramificações ainda se subdividem em várias outras versões. Temos obras que se tornaram ícones, como A Bíblia de Jerusalém, que os editores afirmam ter sido traduzida diretamente dos textos originais hebraicos, aramaicos e gregos; a King James, versão encomendada para tentar corrigir os “excessos calvinistas”, conforme o prefácio do Novo Testamento King James, publicado em 2007 pela Editora Abba Press; ou ainda, as versões baseadas na tradução feita por João Ferreira de Almeida, até chegarmos às modernas BLH- Bíblia na Linguagem de Hoje ou à NVI- Nova Versão Internacional, que utilizam um palavreado mais próximo à língua falada no português do Brasil dos dias atuais.
Isso posto, podemos concluir que não existe harmonia entre as diversas traduções e versões do que se propõe ser o livro da lei dos cristãos, uma vez que os diversos tradutores e adaptadores não poupam acusações mutuas de desvirtuamento da mensagem original ou mais adequada à doutrina cristã, conforme pode-se ler nos artigos postados no site http://solascriptura-tt.org, consultado em 11/09/2011.
Do ponto de vista material, analisada superficialmente, a situação pode parecer desesperadora, pois, os textos nos quais se baseiam as religiões não encontram harmonia em suas tantas versões. Entretanto, uma investigação mais aprofundada dos efeitos que tais textos surtem nos contextos em que são devidamente aplicados, nos mostrará que, pelo contrário, são de muita eficácia e utilidade.
O texto, mesmo antes de escrito, da “Lei hebraica”, foi responsável pelo surgimento, organização e manutenção de uma das culturas mais fortes e resistentes que conhecemos, o povo israelita, que sobrevive a várias outras culturas, sob as quais sofreu séculos de dominação.
O Al Corão, texto relativamente novo, se comparado à Bíblia e outros escritos, traz com seu aspecto altamente normativo, um elevado grau de organização e seriedade e na prática de seus adeptos, um cego respeito aos ditames morais nele contidos, capaz de fazer surgir um novo conceito de religião, o qual forma pessoas com tal nível de envolvimento, que o Islã, a mais nova das grandes religiões monoteístas, já aparece como a segunda maior em número de adeptos no mundo.
A Bíblia cristã, antes acessível somente às castas eclesiais e a um pequeno número de eruditos, se tornou o livro mais conhecido do mundo, primeira das impressões tipográficas dos irmãos Guttemberg. É claro que isso não faz dele, na prática, o livro mais lido, pois, bem o sabemos, é grande a quantidade de pessoas que o possuem, sem nunca o terem sequer aberto, ou que o abrem em um determinado salmo e o expõem como um enfeite ou amuleto num canto da casa. De qualquer modo, não se pode negar que é norma de fé e prática de muitos cristãos, como bem o definem alguns catecismos.
Na Maçonaria, curiosamente, ao contrário do que dizem alguns opositores da Ordem, que certamente nunca entraram em um templo maçônico, o livro da lei tem um lugar de destaque na ritualística, sendo aberto e fechado nos momentos apropriados, ou mantido fechado, conforme o rito, com grande deferência e respeito.
Exposto sobre o altar dos juramentos durante toda a sessão, como base de apoio ao esquadro e ao compasso, serve de orientação moral, devendo ser modelo de conduta a todos os maçons que se reúnem a sua volta. É requisito básico para o funcionamento e uma Loja.

Responsabilidade X Culpa.

                Weverton Duarte Araújo

Responsabilidade é uma qualidade imputada àquele que responde, voluntária ou involuntariamente, por algo. É diferente de culpa, que por sua vez, é a cobrança consciente que se imputa a alguém, ou a si mesmo, após análise de um ato cometido.
Assumir culpa e agir com responsabilidade não são tarefas simples. Sempre é mais fácil arranjar um responsável ou culpado para os erros de todos. O Brasil está cheio de ladrões e estelionatários, de irresponsáveis, mas a culpa dos desacertos sempre é imputada a um outro, principalmente um "diabo", ou uma figura tão grande quanto, pouco acessível e publicamente reconhecida como detentora de poder; um Judas, que se apedreja no lugar se si mesmo, maquiando um ajuste de contas que, na verdade, nunca acontece.
Assim, o povo se exime da responsabilidade, bate no peito e dispara: Foi o outro, poderoso e forte que fez. Eu sou fraco, miserável, incapaz. Tudo é culpa do outro. Eu paguei os impostos ou "devolvi" o dízimo. Agora, o governo ou a liderança eclesial que tome as providências.
Mas essas lideranças seculares ou espirituais também têm lá seus interesses... E convenhamos, governar um povo inculto e ingrato, desmemoriado e maldizente como o nosso, não deve ser o interesse principal dos líderes que temos escolhido. Esses líderes são forjados a partir de pessoas com os mesmos defeitos do povo, até porque, eles são parte desse povo. Eles não são diferentes, melhores ou piores que seus representados e liderados.
O povo continua a praticar seus pequenos e grandes delitos diariamente. Desviando, subornando, ocultando, sonegando, como se essas ações não atingissem ao próximo, ou a si mesmo. Cada um se acha um “Robbin Hood”, com direito de roubar dos ricos em favor do pobre que é ele mesmo. Instituiu-se entre nós um circulo vicioso, no qual todos estamos envolvidos e com um certo sentimento de que isso é assim mesmo. Já que não podemos vencer o mal, nos unimos a ele.  
Do mal tiramos proveito, ao mesmo tempo em que o abominamos. Tentamos corromper o mal com maldade. Buscamos a paz através da violência. Cobramos justiça para quem nos ofende, mas fugimos de arcar com a responsabilidade por nossos atos. Assim é na política, na religião e no futebol. É uma bola de neve sem a menor chance de resultar em algo bom. 
Assim é o futuro que todos nós, vítimas e algozes, líderes e liderados, representantes e representados, desenhamos a cada dia, por nossos atos e omissões. A culpa é sempre do outro e a responsabilidade nunca é minha. Jean Paul Sartre bem o desenhou em "Entre quatro paredes", ao encerrar o texto com o clássico " o inferno é o outro".

Vão-se os dedos, fica o anel.

O provérbio correto seria o contrário, ou seja: vão-se os anéis, ficam os dedos, demonstrando que o bem material não se sobrepõe ao valor da vida e da integridade da pessoa.
Não é o que ocorre na administração do anel rodoviário de Belo Horizonte, onde, mais uma vez, uma vida foi perdida por pura ineficácia dos órgãos responsáveis pela administração da cidade e daquela via.
Há anos as mortes se sucedem ali, já que a cidade cresceu, o trânsito aumentou e continuamos sendo obrigados a conviver com a passagem de veículos pesados pelo perímetro urbano da capital.
Agora, logo depois do último acidente, com uma carreta de 23 toneladas perdendo o controle em uma descida de 8 Km, atravessando área muito movimentada, com trânsito local de todo tipo de veículos pequenos, motocicletas, ônibus, bicicletas e carroças e pedestres, os especialistas são mais uma vez entrevistados e emitem as mais diversas e controvertidas opiniões.
Eu não sou especialista em trânsito, mas posso utilizar um exemplo prático que certamente será útil para ilustrar minha opinião: em Governador Valadares, cidade do interior do Estado, existiu por muito tempo algo parecido: os veículos que iam de Belo Horizonte em direção à BR 116 tinham que atravessar, logo na entrada da cidade, um bairro muito movimentado até alcançar o entroncamento. E o que foi feito? Foi feito um desvio para aqueles que não precisarem passar pelo perímetro urbano, possam seguir sem influenciar no trânsito local. Acabou o trânsito de caminhões, diminuiu o incômodo dos moradores e os acidentes caíram. 
Mas aqui na capital, todas as vezes que acontece um acidente, logo surgem os especialistas, os políticos e todo tipo de oportunista, para fazer sua cena. A coisa esfria em algumas semanas e tudo volta à patética normalidade, até que um caminhoneiro menos informado perca os freios na descida do Betânia e saia empurrando dezenas de carros pequenos e ceifando mais algumas vidas.

O rodoanel há muito prometido, que desviaria o trânsito pesado para fora da cidade, só é mesmo lembrado em véspera de eleições. Nesses momentos, muitos candidatos prometem se empenhar em sua construção. 
O máximo que se tem feito é a colocação de radares de velocidade (indústria de multas sem retorno), obrigando os motoristas a manter 60 Km/h, como se isso resolvesse o problema. A responsabilidade é jogada para os usuários da via. Mas, pensando bem, a culpa é nossa mesmo, já que não sabemos escolher administradores competentes.

Nosce te ipsum (conhece-te a ti mesmo).

Conhece-te a ti mesmo.
Weverton Duarte Araújo.

Nunca é demais lembrar o célebre dito atribuído ao lendário general Sun Tzu, o qual alerta para o fato de que uma batalha já está meio perdida, se entramos nela sem conhecer nosso próprio exército, mesmo que conheçamos as forças do oponente. Mas em que isso nos interessa, se não estamos em uma guerra?

Ouvi há certo tempo, pela manhã no rádio, notícia sobre o fato de que o governo do Paraná estaria trabalhando na regulamentação do uso da força contra trabalhadores em manifestações, quando o comentarista usou a expressão em inglês para "uso progressivo da força". Falou o termo até com sotaque "norteamericanizado", mas disse que não se lembrava como se falava em português. Foi preciso a redação soprar.

Ora, a fala do radialista deixa clara a falta de investimento na própria cultura e a inversão de valores que tanto incomoda aos brasileiros preocupados com nossa cultura, nossa economia, etc. Desde os tempos de Cabral, valoriza-se entre nós o "importado", banhado antes do charme europeu do francês e hoje, da economia linguística estadunidense. Economia porca, já que o inglês deles é pobre e sintético, voltado à utilização cada vez menor de sons na representação de um sintagma, ao contrário da língua portuguesa, mormente a falada no Brasil, que se enriqueceu ao assimilar e agregar termos de outros idiomas.

O problema que enfrentamos na corrida alucinante imposta pela globalização e pela evolução do capitalismo, no que se refere à utilização da linguagem falada como meio de transmissão de uma ideia, se prende exatamente à desvalorização do vernáculo, em favor da economia de tempo na transmissão das informações. Um efeito cascata se desencadeia a partir daí. Observemos que raramente um comercial veiculado na TV ou no rádio contem exclusivamente palavras em português. Pelo contrário, parece que os profissionais da mídia querem dar um ar de superioridade ao produto, acrescendo ao anúncio termos em inglês. 
Exemplo disso são os anúncios de carros: de uns tempos pra cá, junto ao nome da marca sempre se ouve uma frase em inglês, francês e até em alemão. Uma frase inteira, como se todas as pessoas que ouvem estivessem em condições de entender. Já observou isso? Qual a utilidade disso? Qual a finalidade disso? Você não se sente manipulado? Não existe aí um tipo de exclusão?

Mas voltemos à problemática da batalha, já que vivemos sim, em meio a uma guerra. É óbvio que existe alguma utilidade em conhecer outras línguas, pelos mais diversos motivos. O que não pode acontecer e ser aceito como normal, é um jornalista, formador de opinião que é, saber falar qualquer outra língua e não dominar a sua própria. 
Teria sido ele muito menos infeliz, se ficasse calado e não tentasse "fazer média", exibindo um conhecimento que nada acrescentou à matéria e declarando ignorância sobre algo essencial, como é essencial a um comunicador saber falar o idioma do país onde nasceu, vive e trabalha. A menos que ele seja adepto da "república do Paraná", (onde as pessoas falarão inglês após acumularem atos contrários ao bem estar dos brasileiros e fugir para os EUA, depois voltarem e tentarem se eleger a um cargo no legislativo de outra Unidade da federação).

Assim como ele, muitos brasileiros, principalmente os que atuam nos meios de comunicação, costumam, sem a menor necessidade, mas para dar um ar de intelectualidade à fala, acrescentar a tradução de um ou outro termo em inglês, como se essa fosse a nossa segunda língua obrigatória. A eles diria o oráculo de Delfos: Conhece-te a ti mesmo.
 
Acerca do tema do uso progressivo da força, indico o excelente artigo de Gabriela Sutti Ferreira, disponível em: https://www.ibccrim.org.br/noticias/exibir/7436/