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Eterna procura


                            Weverton Duarte Araújo


Eterna procura
do que não há como saber
é ter na loucura
a cura do que se quer ser...

E ver no futuro
um furo a rever...
verter a amargura,
a agrura do ter que ter...

Reter na soltura,
arder na doçura
no breu da candura
dura pra sempre o sofrer.

A menos que sem censura
sem dó, sem dor, sem poder...
Num ato de defesa pura...
fuja aos pulos do não ser.

Só se assim for, eis a cura,
eis o que disseram não haver.
Mas não quero, é fuga pura,
se só assim tiver que ser.

Pois assim, a mim se mistura
o que não vi de mim nascer
vem de ti, do outro, a tal cura
não quero!!! por mim, vou crescer.

Nos deram espelhos...

Nos deram espelhos...
Weverton Duarte Araújo

Nos últimos dias a imprensa e as redes sociais estão sendo bombardeadas com “denúncias” contra a estrutura do STF. Os ministros estão sendo achincalhados e a instituição completamente desmoralizada. É fato que a côrte maior da Justiça brasileira não faz jus à pompa que ostenta, nem mesmo exerce adequadamente seu mister, como qualquer cidadão com um mínimo de instrução pode perceber. Mas, me pergunto: o que há por trás dessa campanha de desmoralização? O que pode resultar desse denuncismo aparentemente gratuito?
Ora, sabemos que uma das técnicas da estratégia bélica e da ocupação imperialista é a desmoralização do inimigo diante de seus próprios pares. A disseminação de boatos e até mesmo de fatos, de forma organizada e sistemática, focada em um determinado ponto, tem como objetivo a criação de um estado de ânimo na população em relação a uma imagem, uma pessoa, um sistema de governo, uma religião, etc.
Tudo isso pode ser comprovado pela história. Basta olharmos para trás e para os lados. Não muito longe de nós. O regime militar que se impôs sobre o Brasil em 1964 sofreu esse bombardeio ideológico até não se sustentar mais, por mais que mantivesse a ordem e um certo progresso. O regime democrático que o sucedeu a partir de 1985, embora tenha sido responsável pela libertação de grande quantidade de pessoas da fome e da miséria, não foi capaz de manter a ordem e está se desmoronando.
Mas, o que não se percebe claramente é que existem forças agindo na obscuridade dos bastidores políticos, plantando uma tendência à desobediência civil. Isso é muito perigoso para a soberania nacional. Quando se permite o desrespeito às instituições (seja pelo povo, ou pelos administradores), está se autorizando a desordem generalizada. E já estamos à beira dela.
Não me iludo ao crer que há outro golpe em andamento. E se os militares tomarem o poder, ou se o povo, movido pela insatisfação, eleger um indivíduo que se declara pronto a desrespeitar a liberdade em favor da ordem, vamos nos oferecer à intervenção da regulação externa. Não tenho a menor dúvida de que os Estados Unidos adorariam fazer aqui o mesmo que fizeram no Iraque, no Afeganistão, e em outras partes do mundo. E eles logo terão argumento para fazer isso com o apoio do resto do mundo e até de muitos de nós mesmos.
Saddam Hussein não tinha nenhuma arma química. Osama Bin Laden nunca ofereceu perigo ao mundo.
Ou seja, estamos passando ao largo de mudar para melhor, se continuamos a desvalorizar as instituições ao invés de limpá-las e fortalecê-las. Observemos a campanha de desmoralização de nossas instituições e pensemos: Quem ganha com isso? Quem lucra em criar o caos na nossa sociedade? Quem cria as campanhas de desmoralização disfarçadas de trabalho jornalístico? Por que nos deram (gratuitamente) tantos recursos de disseminação de informações? E por que somos incentivados a ficar como zumbis, de olhos e mãos colados nas telinhas, compartilhando algo que nem sabemos de onde veio?
Querem que fiquemos ocupados, com os olhos e as mãos ocupados e colaborando para a implantação do projeto de enfraquecimento de nossos valores locais, para que quando vier a intervenção, não tenhamos olhos para perceber, nem mãos para reagir.

Se não pensarmos nisso rapidamente, fatalmente seremos vítimas de nossa própria  incapacidade de observar, pensar e agir adequadamente.

Dia das crianças. Festejar ou chorar?

Eis que chega o dia 12 de outubro, convencionado para a estranha comemoração do dia das crianças, que depois perdeu espaço para semana das crianças e agora já se ouve os absurdos “jingles” comerciais chamando para as compras do “mês da criança”. As compras em primeiro lugar. As crianças sem lugar.
É estranho sim, ter um dia para as crianças, quando os pais não costumam ter sequer minutos diários para trabalhar na criação, na educação, na formação de seus filhos enquanto ainda são pequenos e incapazes de se defender da dura realidade do nosso mundo. E assim, eles se transformam em adultos sem lugar, “sem noção”.
É muito estranho e preocupante que os responsáveis pela formação dos cidadãos do futuro (e o futuro é logo ali), não se responsabilizam pelas atrocidades que esses mal-formados, mal-criados, mal-educados estão cometendo a cada dia. Os pais deixam seus filhos nas mãos de desconhecidos e depois querem culpar os “traficantes” pela má formação de seus herdeiros.
Os pais deixam as crianças na rua, não lhes impõem regras e culpam o governo, o conselho tutelar, o ECA, os deuses e os demônios, mas não se implicam, não se lembram que os filhos são crias deles e responsabilidade deles. Como disse Rousseau, quem não cumpre o dever de criar bem seus filhos, não tem nem mesmo o direito de tê-los. Mas não é o que vemos. Pelo contrário, crianças são geradas indiscriminadamente, como se fôssemos ratos e não humanos.
Os pais e as mães estão permitindo que seus filhos e filhas façam tudo o que querem, enquanto todos nós bem sabemos que a coisa não pode ser assim, sem regras, sem controle. 
Por falta de responsabilidade, usam as mais variadas desculpas. Apelam para um discurso hipócrita de que não se pode usar de violência, mas deixam nas mãos das crianças videogames com jogos cada vez mais violentos. Se escondem sob a balela de que precisamos respeitar as vontades da criança, para que sejam sujeitos livres, mas o fazem apenas para ter mais tempo para si mesmos, deixando os indefesos expostos a tudo e a todos.
E quando chega o dia, a semana, o mês das crianças, subornam seus filhos com presentes, ensinando-os a manipular e se permitirem ser manipulados. É um jogo sujo, de abuso e desrespeito, no qual a geração do presente pouco ou nada faz pelo bem estar da geração do futuro. 
E o resultado está aí, nos noticiários, nos adultos desequilibrados, que não respeitam os pais, nem a Lei, nem a si mesmos.
O lastimável ocorrido em Janaúba-MG, quando dezenas de crianças foram queimadas vivas, assim como o não menos terrível caso de Las Vegas -EUA, no qual centenas de pessoas foram alvejadas por tiros dados a esmo, foram protagonizados por uma criança de 50 e outra de 64 anos, que não aprenderam a respeitar o outro, a ver no outro uma extensão de si mesmo, enquanto partes de uma mesma espécie.
Ambos os casos, com suas marcas indeléveis, deixam espaço para reflexão: até quando vamos permitir que pais irresponsáveis continuem a povoar o planeta com filhos sem limites e construir um fim desastroso para a humanidade?

Dia das crianças? Como comemorar? Por que comemorar? O que comemorar?

Sexualidade masculina.


Texto apresentado no 1º Congresso de Psicanálise de Rondonópolis-MT.

Autor e apresentador: 
Weverton Duarte Araújo.

Sexualidade masculina.

Por carregar a consanguinidade mineira de Guimarães Rosa, Adélia Prado e Drummond de Andrade, talvez até como uma marca da nossa sexualidade, enquanto capacidade de relacionar com o outro e sua alteridade, dou-me, por meio do que de mim brota de forma quase incontrolável: a poesia.

Inexorável destino

“Queria gritar pra te abalar os tímpanos a esmo
Não pra te ferir, mas pra te fazer lembrado
Que tu não és o que acreditas ser, nem serás
Que tu não amas a ninguém, nem a ti mesmo
Porque é assim que foste    desenhado
E o que nem sabes por que buscas, jamais acharás.

Queria que ouvisses a voz que vem daí de dentro
Que te compele à fúria vã de lutar contra a morte
E conhecesses o que diz teu interior sem tempo
Sem passado ou presente, sem futuro, sem sorte...
Mas o que ele fala destrói teu eu, corrói teu chão
Te desafia na tua fraqueza, e ele é forte
E te aflige todo dia ao tocar-te a pulsão.

Tenho pena de ti homúnculo dentro de mim
Que não sabe bem se é meio fêmea ou todo macho
Nem o que é ser homem, ou como ser mulher,
Não conhece o começo, nem domina o fim
E do desejo sem cura é eterno capacho,
Servo mesmo, escravo, faz o que ele quer.”


É desse homem sem norte, sem chão, sem sorte, em tempo-cão, que estamos falando hoje?

É de um masculino que não se reconhece diante do espelho, que não se espelha no que conhece, por se sentir assim, um bicho sem forma, fluido como desenha Zigmunt Bauman em Modernidade líquida, ou Tempos líquidos?  De uma vítima do “império do efêmero” como apregoa Gilles Lipowetski?

Para falarmos de sexualidade masculina, não creio possível não falar de sexualidade feminina, de sexualidade humana, de relacionamentos entre humanos, de família, de casais, de grupos e de pessoas.
Meu tema de estudo no Mestrado em Psicanálise na Universidad Kennedy, em Buenos Aires, Arfentina, se prendeu aos efeitos dos discursos civilizantes sobre o sujeito. O sujeito que a cada dia mais se “assujeita” aos discursos que cumprem, não mais que o papel de manter de pé, um modelo social, uma forma de organização de um grupo, como todos sabemos, ao completo arrepio do indivíduo e de sua condição subjetiva.
Por isso, acho adequado propor que pensemos sobre esse fenômeno social que é a influência do discurso sobre o indivíduo membro de um grupo social. Aqui e agora, falaríamos e passaríamos a pensar com mais cautela sobre o que esses discursos causam sobre uma parcela desse grupo, ou seja, sobre os indivíduos portadores das características que se convencionou chamar de masculinas, ou que, por serem herdeiros de uma conformação física inegavelmente mais forte que a do sexo oposto, tornaram-se como que legatários de desempenhar funções sociais que acabaram por se tornar “coisa de homem”.
Os diversos discursos, na verdade, cada um sai em defesa de interesses específicos, invariavelmente discrepantes do que diga respeito ao interesse do sujeito em seu processo de subjetivação, embora se ocultem sob o manto da defesa dos interesses do indivíduo.
Os conceitos de Sujeito e indivíduo, precisam dessa forma, ser e são entendidos como necessariamente distantes e desvinculados um do outro, uma vez que expostos aos efeitos dos discursos civilizantes.

Foucault nos ensina que o discurso tem em uma sociedade a função de controlar, selecionar e organizar, pela via de processos de exclusão e interdição, as possibilidades de manifestação dos sujeitos enquanto seus membros, revelando assim o estado de permanente tensão entre os discursos dos indivíduos com o discurso da sociedade.

As instituições das quais a sociedade se utiliza para ratificar seu discurso, se encarregam de estabelecer os sistemas de chancela da voz do indivíduo, permitindo-lhe ou negando-lhe acesso ao direito de ter seu discurso acolhido, reconhecido como portador de valor.

Isso por sua vez, revela o vínculo do discurso com o desejo e com o poder. Foucault evoca ainda o discurso da Psicanálise para afirmar que “o discurso não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo, mas também é aquilo que é o objeto do desejo. O discurso não é somente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder do qual queremos nos apoderar”.

E para não nos esquecermos que estamos tratando de Psicanálise e sexualidade masculina, lembro que estamos falando exatamente disso, ou seja, de um discurso que o indivíduo masculino é cobrado a assumir como se fosse seu, colocando-se em constante luta contra os demais indivíduos, cada um incumbido de defender um discurso que lhe nomeie dentro do grupo social em que vive.

Elucubração sobre as causas da angústia do masculino.

Segundo Joel Birman, a revolução feminista, apoiada pela evolução da ciência, bem como, os efeitos das duas grandes guerras do século XX, marca o início do questionamento da dominação masculina e a consequente revolução sexual ainda em curso e que define o quadro de incerteza e insegurança no campo da sexualidade, não só dos homens, mas também das mulheres. Ele define essa revolução em três etapas: a revolução feminista, a revolução lésbica/gay e a revolução “trans” e afirma que cada uma dessas fases exerce certo nível de influência no meio, conforme suas características.

Pode-se inferir dessa fala de Birman, que os acima citados movimentos de mudança de posicionamento social de indivíduos (posicionamento até então determinado em função do seu sexo - ouçamos: diferença “anatomico-biologica” entre seres de uma mesma espécie), não ocorre em desafio ou ruptura com sua condição natural ou cultural, mas em desafio ao masculino como símbolo. Eles desejam não o reconhecimento de suas diferenças, mas uma condição de igualdade com os homens (do sexo masculino).

Ora, o problema (ou os problemas) da sexualidade masculina em nossos tempos pode se observar aí, nessa crise de conceitos, nesse desejo de mudança que, embora possa ter base em sentimentos válidos, ao não medir as consequências, desafia, fere e trabalha para desconstruir o conceito de masculino, pacificamente apanhado como algo a ser definido, uma vez que nos falta uma mera sombra de segurança sobre o que é mesmo, ou o que deveria ser, uma manifestação masculina da sexualidade humana.

Pior, tal desconstrução vem pela imposição de uma suposta igualdade de direitos que não leva em consideração as implicações naturais e as construções sociais até então baseadas nas diferenças. Os extremistas do “anti-machismo” se apoiam em uma negação da diferença fundamental entre homem e mulher, ou entre macho e fêmea, tratando-a como mero aspecto anatômico, ou fisiológico.

Essas mudanças estão se dando em um movimento pendular que parece tender a nos levar ao outro extremo, contraposto à hegemonia do masculino, que se manteve até o fim do século XIX.
E onde nos levará esse extremo oposto? Se outras ciências, pelas suas próprias funções e propostas, não se aventuram a especular sobre o futuro, a Psicanálise não pode se abster de fazê-lo, já que se propõe como ferramenta de intervenção na saúde  mental humana.

Elisabeth Roudinesco, em “a família em desordem”, faz uma longa exposição da evolução do conceito de família e dos papéis sociais de seus membros. Ali ela nos permite apoiar sobre seu discurso baseado na chancela de Levy Strauss para propor nosso questionamento sobre o lugar do masculino, algoz desde sempre e vítima para sempre.

Maria Rita Khel, em seu livro o Tempo e o Cão, fala desse lugar que atualmente ocupa o homem, não só o macho da espécie, mas também e talvez de forma muito aguda, ele, o (homem-macho-viril-correto-ético-responsável...super-homem.... impossível), esse que não tem como se sustentar nesse lugar e foge pela via de uma série de sintomas que podemos chamar de “depressivos” .

Esse é atualmente o lugar do masculino: lugar do deprimido, que foge da subjetivação de tal forma, que não há como passar despercebido. Tudo por conta da crise de conceitos que movimenta o homem em direção inevitável aos conflitos existenciais hodiernos: nós, os homens da atualidade, somos confrontados pelo discurso de uma sociedade em transformação, cujos conceitos estão entre o que foi e o que parece que será. O problema é que o vácuo causado por essa transição, que embora seja acelerada, tem um tempo de assimilação lento e diferenciado, não permite vácuo no tempo de resposta.

Paulo Ceccarelli, em um texto chamado “Reflexões sobe a sexualidade masculina” publicado em 2013 na Revista Reverso, publicação periódica do CPMG, aponta para a quase inexistência de escritos, ou pesquisas sobre o tema, enquanto que sobre sexualidade feminina há grande produção e  inclusive a maioria de autoria de homens.
Intrigante é perceber que no decorrer do referido texto, o autor fala mais da sexualidade feminina do que da masculina propriamente.

Isso nos permite supor que, conforme ele mesmo diz, a fragilidade da condição da masculinidade é tamanha, que os homens evitam falar dela e se ocupam da sexualidade feminina como defesa, mantendo o misterioso silêncio que protege enquanto oculta, como se o não se aprofundar em questionar a sexualidade masculina lhe garantisse a manutenção da posição dominante que sempre ocupou.
Ou seja, como se fosse possível (e já podemos ver que não é) a sustentação da imposição de um modelo pronto e inquestionável como o foi o modelo androcêntrico que delimitou o pensamento humano por séculos. 

Camille Paglia, numa entrevista publicada pela Folha de São Paulo em  24/04/2015, apresenta a revolução feminista em três fases e se identifica com a primeira, quando as mulheres lutaram pelo direito de “existir socialmente”, quer dizer, ter direito ao exercício de uma subjetividade, o que até então lhes era negado, já que não podiam nem mesmo se manifestar politicamente através do voto.

Mas a pensadora norte-americana acusa o último movimento feminista (no qual ela inclui o movimento trans) de estar não mais buscando a liberdade de expressão para as mulheres, mas a submissão do homem a uma igualdade que o descaracteriza. Paglia propõe que a mulher deveria retroceder ao ponto de se identificar com a maternidade, o que implicaria em deixar de lutar contra o homem e se tornar companheira, parceira dele, respeitando as diferenças e não promovendo uma igualdade que subverte uma lógica biologicamente inquestionável.

Gilles Lipowetsky em “A terceira mulher” e vários outros escritos, é mais uma voz a trazer a incontestável verdade de que o homem permanece em sua tentativa de manter sua imutabilidade, enquanto a mulher, especialmente nos últimos cinquenta anos, experimentou uma mudança em sua condição subjetiva como nunca se observara antes.

Conclusão

Em resumo, o que se pode apreender dessas breves considerações? 
Arrisco dizer que todos os pensadores que procurei trazer à discussão, não só Psicanalistas, como também Filósofos e Linguistas, nos poderão apoiar se nos atrevermos a propor que a sexualidade masculina está, por mais paradoxal que essa afirmação possa parecer, submissa ao que ditar a sexualidade feminina, ou ao que ditarem os discursos a ela subjacentes.

Ou seja, (parodiando Lacan), “uma sexualidade masculina não existe” em nosso imaginário. O que existe sim, ou o que resta como opção ao sujeito masculino é um “semblant” de uma sexualidade, que reflete a necessidade de se fazer, se criar, se reinventar a cada momento, de modo que possa se colocar, ainda que simbolicamente, em condição de atender ao outro grande enigma da sexualidade humana, este proposto por Freud: o que quer a mulher?

Em outras palavras, sejam quais forem os motivos (a revolução industrial, as duas grandes guerras, a queda da função paterna provocada pelo deslocamento da posição das mulheres na família e na sociedade, etc.), o que ocorre e não pode ser desprezado, é que houve mudanças. Em decorrência delas, uma parte da sociedade, seja por não percebê-las, ou por não acreditar que elas fossem se manter, não acompanhou o ritmo e se perdeu.

E assim se encontra, como propõe María Ester Jozami em “De exílios y destinos”, exilado e sem destino, já que desprovido do que Lacan chamou de “fantasma fundamental”.
Exilado da condição que ocupava de certa forma confortavelmente e sem destino, pois nenhum lugar lhe é dado pelo discurso dominante.

Daí a crise existencial do masculino, bem como de todos os axiomas da civilização, que o mundo masculino criou no desenrolar das eras passadas. Diante de um mundo em patente revolução; da falta de conceitos que antes serviam de suporte ao discurso; da velocidade vertiginosa que as informações circulam atualmente, não deixando espaço para o amadurecimento de um conceito.

As formações do Inconsciente

Formações do Inconsciente


Weverton Duarte Araújo

Em primeiro lugar, embora seja assunto de menor relevância, não deve ser de todo inútil propor para a disciplina um novo rótulo, a saber, Produções do Inconsciente, já que o que temos nos sonhos, nos chistes, atos falhos e sintomas, são na verdade, produtos do Inconsciente, na tentativa de trazer seu conteúdo à tona.
Tal mudança provavelmente evitaria até algumas dúvidas dos estudantes, que, como foi relatado em sala de aula por alguns colegas, não pareceu claro se a proposta era estudar os fenômenos que formam o inconsciente, ou os fenômenos por ele formados. Fato é que a palavra formações causou certa confusão no princípio.

Ultrapassada essa barreira inicial, sabemos agora que a proposta é conhecer e estudar os fenômenos que a Psicanálise postula serem formados no Inconsciente com a finalidade de funcionar como substituto do material antes retido pelo efeito do recalcamento, material este, que por suas características, não é permitido de se apresentar livremente à mente em estado de vigília, o que demanda o surgimento desses fenômenos como forma de facilitar a aceitação de tal conteúdo pela consciência.
Buscaremos aqui, não mais que um breve exercício de conceituação desses fenômenos, considerada a insipiente condição do apresentador, posto que incipiente no estudo do tema.

Baseado principalmente no texto freudiano e em anotações de estudos do pesquisador, este trabalho se propõe a expor um resumo do conteúdo estudado, no que diz respeito ao funcionamento do Inconsciente e suas manifestações na consciência. Cada tópico apresentará uma síntese do que se discutiu sobre Inconsciente, sonhos, chistes, atos falhos e sintomas, a partir da perspectiva do conhecimento acumulado.
 
O Inconsciente

O Inconsciente, segundo Freud, pode ser entendido como um espaço não acessível ao estado de vigília ou a percepção consciente do indivíduo, mas, que comporta um infindável número de ideias (emoções, sentimentos e percepções), que seriam insuportáveis à consciência em sua forma original, ou seja, sem um anteparo eufemizante, que as torne menos impactantes, menos desagradáveis.
Freud chega a dizer que "todo ato psíquico começa no Inconsciente e pode permanecer assim, ou evoluir para a consciência, conforme encontre ou não resistência" (Vol. XII, p. 283).
Ou seja, diremos do Inconsciente, que é um lugar dentro de nosso psiquismo, onde são aprisionados certos conteúdos que em algum momento se mostraram conflitantes com nossos conceitos éticos e morais, e que, na verdade, são os conteúdos originários dos estados mais naturais e menos socializados da pessoa.
Do ato psíquico, diremos que é o trabalho executado pelo Inconsciente, ao tentar conduzir à consciência algum conteúdo nele represado. Essa repressão ocorre quando o ego do indivíduo é ainda imaturo, incapaz de administrar o conflito imanente na ideia que lhe é apresentada.
Ao descrever os fatores precipitantes das neuroses Freud aponta a "importância do papel desempenhado pela limitação imposta pela civilização ao campo das satisfações acessíveis" (Vol XII, p. 249). Podemos concluir que essa limitação representa a força capaz de excluir certas ideias do campo da consciência.
As forças repressoras que mantém uma ideia recalcada, ou seja, recolhida ao Inconsciente, são constantemente testadas por certos mecanismos criados pelo Inconsciente para que a ideia se torne palpável, acessível à consciência. Isso porque tais ideias são originárias de pulsões vitais ou, de grande relevância para o indivíduo, embora sejam de alguma forma, percebidas como reprováveis pela consciência, já que esta é moldada por conceitos adquiridos a partir da necessidade de socialização.
No Inconsciente as idéias e sentimentos rechaçados pela consciência sofrem alterações e são, por meio dos processos que convencionamos chamar formações do Inconsciente, ou seja, dos sonhos, chistes, atos falhos e sintomas, novamente expostos à consciência, agora revestidos de disfarces ou deformações, permitindo assim a vazão da ideia inicialmente retida, diante da sua forma que explicitava o conflito moral.

Os sonhos

Primeira das formações do Inconsciente a ser detidamente estudada por Freud, os sonhos são por ele tratados de forma bastante peculiar, já que comumente eram apresentados por seus pacientes, junto ao relato de sintomas, apontando para uma fonte de esclarecimento das questões envolvendo as neuroses, foco de seus estudos.

São pacificamente entendidos como guardiães do sono, já que, até certa medida, conseguem manter a pessoa naquele estado, indiscutivelmente necessário e salutar.
Mas, a atividade mental assume no sono uma forma específica, a qual permite que os pensamentos oníricos reconstruam fantasias e desejos reprimidos de forma menos sujeita à rejeição pela consciência.
Os sonhos podem ser originados a partir de diversas influências internas ou externas ao psiquismo, como:

  • a continuidade da busca de realização de desejos (Vol. IV, pp. 158-167), como pode ocorrer nos casos em que o sonho parece procurar suprir uma necessidade ou demanda física;
  • fragmentos de experiências da infância (Vol. IV, p. 53), uma vez que muito dos conteúdos dos sonhos são completamente estranhos à vida atual do que os experimenta;
  • fragmentos de experiências vividas no dia anterior (Vol. IV, p. 205), já que a atividade mental não cessa;
  • devaneios inconscientes (Vol. XVI, p. 374), diante do afrouxamento das forças mantenedoras da repressão durante o estado do sono.

Concluímos assim, que os sonhos podem servir como válvula de escape para as preocupações cotidianas, e ainda, como agentes de revelação de ideias inconscientes, são atos psíquicos inteiramente válidos, a despeito de sua forma, que na maioria das vezes corrompe as regras do raciocínio lógico.
Os sonhos, enfim, não podem ser tratados como vazios de significação, já que “não permitimos que nosso sono seja perturbado por tolices” (Vol. IV, p. 213).

Os atos falhos

Vez por outra nos encontramos em situação embaraçosa, causada por alguma fala que nos escapa inadvertidamente. O mesmo se pode manifestar em palavras, ou grupos de palavras, não só faladas, mas também escritas, sentidas, ou pensadas. Ações equivocadas ou não esperadas também podem ter fator de causalidade comum.
Em princípio, tendemos a acreditar que tais ocorrências sejam fruto do cansaço, ou mera desatenção, mas, estudos de Freud e outros trouxeram-nos o conhecimento da possibilidade de que esses “descuidos” na verdade sejam manifestações do Inconsciente, desejoso de trazer algum conteúdo à tona.
Os atos falhos são carregados de sentido e sempre dizem algo do Inconsciente. Eles se baseiam e comumente se revelam no esquecimento de uma palavra e a substituição desta por uma outra, que por sua vez, sinaliza para algum ponto no qual o indivíduo mantém seu psiquismo aprisionado, causando angústia tal, que move o Inconsciente a buscar oportunidades em que possa encontrar saídas para que  seus conteúdos traumáticos sejam expostos ao nível da consciência.
São, por assim dizer, alertas enviados pelo Inconsciente, aproveitando oportunidades surgidas nas vivências cotidianas. Mas, mesmo esses alertas são feitos de forma distorcida, em uma linguagem indireta, como costuma falar o Inconsciente dos neuróticos.
É necessário que haja um trabalho de elaboração por parte do indivíduo para atingir a capacidade de traduzir tais mensagens, de modo que elas se tornem produtivas.
Diante da angústia da castração, do conflito sempre presente, o ser humano só tem duas saídas: o ato ou a linguagem. Em determinado momento, a boca não consegue reter aquilo de que está cheio o coração. É aí que o Inconsciente age.
Freud relaciona uma série de atos falhos, dividindo seu estudo em grupos como esquecimentos, lembranças, lapsos da fala, lapsos de escrita, lapsos de leitura, equívocos na ação, erros de memória, entre outros.


Os chistes

Os chistes são uma forma de reação do indivíduo a determinadas situações, pelo uso do cômico, ou, pela verdadeira arte de que são dotadas algumas pessoas, já que nem todos são capazes de construí-los (Vol. VIII, p.135), de trazer, pela via do contraste, da espirituosidade, do “non sense”, de forma inesperada e improvável, uma fala que revele o intuito do Inconsciente, de burlar as forças mantenedoras do recalque, assim como no ato falho, traindo o desejo encobridor do falante, ou por fazer parecer que isso ocorre, dar o tom picante, capaz de gerar o riso no interlocutor.
Diferentemente do ato falho, dos sonhos e dos sintomas, que podem ser vivenciados pela pessoa isoladamente, ou sem que outros o percebam, ou participem diretamente de sua manifestação, o chiste tem um aspecto de fenômeno social, ou seja, requer a presença de terceiros para produzir seu efeito.
A brevidade e a economia são características marcantes do chiste, que utiliza mecanismos peculiares ao funcionamento do Inconsciente, como condensação e deslocamento, reunindo em poucas palavras ideias diversas, mas, que de alguma forma sejam explicitadas pelo contraste, pelo escandaloso, pelo ridículo.
Freud se baseia em Richter e Fischer para afirmar que o chiste "é um juízo que produz contraste cômico" e que é a "habilidade de fundir, com surpreendente rapidez, várias ideias, de fato diversas umas das outras tanto em seu conteúdo, como no nexo com aquilo a que pertencem" (Vol.VIII, p. 19).
Aqui parece que o Inconsciente age de forma oportunista, aproveitando uma circunstância propiciada por uma lacuna no recurso linguístico disponível, para ali inserir, ainda que obscurecido pelo desconcerto inicial provocado pelo chiste, algum conteúdo reprimido.

Os sintomas

Consideremos as estruturas clínicas e o fato de que o retorno do conteúdo recalcado gera as formações do Inconsciente. As formações que retornam no psicótico sob a forma de alucinações não podem ser consideradas sintomas, posto que estes são substitutivos do recalcado e essa condição não se aplica à estrutura psicótica.
Os sintomas neuróticos são resultados de um conflito, o qual surge em virtude de um novo método de satisfazer a libido (Freud, Conferência XXIII). Isso equivale a dizermos que o sintoma é um trabalho do Inconsciente no sentido de negociar a substituição da manifestação de uma comunicação à consciência, impedida pelo efeito do recalcamento.
Tal substituição se dá por outra forma de manifestação, em uma linguagem mais parecida com aquela que seria usada pelo indivíduo no período em que poderia trazer tal informação à consciência sem impedimento.
Esse seria um período de sua existência quando não havia ainda o conhecimento de certas limitações, aquelas impostas pela necessidade de socialização. Daí o fato de alguns sintomas poderem ser tomados pelo observador externo, como atitude de certo modo “infantil”, ou seja, incompatível com a maturidade de seu portador.
"As condições para a formação dos sintomas encontram-se em todas as pessoas e não só nas que os desenvolvem". Desse modo Freud afirma que todos somos neuróticos, embora alguns mais resistentes aos efeitos da exposição às circunstâncias capazes de desencadear a neurose patológica.
Entendamos então, por neurose patológica, aquela cujos sintomas passam a interferir na capacidade do sujeito, impedindo-o de se relacionar e de executar as atividades do dia-a-dia.
"A construção de um sintoma é o substituto de alguma coisa que não aconteceu" (Freud, Conferência XVIII). A partir desta afirmação, podemos inferir que o que não aconteceu foi barrado pela censura e lançado aos domínios do Inconsciente. Então o sintoma é mais um recurso do Inconsciente em busca da realização de um desejo.

Eis portanto, exposto em resumo focado na objetividade, o que se convencionou chamar, no meio psicanalítico, Formações do Inconsciente.

Ação cidadã.

Se cada um fizer sua parte e acreditar, há de chegar um momento, quando todos estarão em paz.

Aberta a temporada de ratos abandonando o barco.

Já está aberta a temporada de “ratos abandonarem o navio”. Mal explodiram as bombásticas (não necessariamente verdadeiras, mas necessariamente bombásticas) notícias de envolvimento de certos políticos com ações claramente inadequadas, os sanguessugas oportunistas de plantão já começaram a se manifestar, tentando livrar seus rabos. E o fazem da mesma forma descarada que fizeram quando deram seu apoio público às referidas figuras.
Exemplo bisonho foi o dos apresentadores Marcio Garcia e Luciano Huk, que não temeram fazer papel de idiotas, um afirmando publicamente que se sentiu enganado e o outro apagando as fotos em companhia do “suspeito”. Ora, os não tão jovens astros bonitões da TV, assim como muitos outros artistas e pseudointelectuais contrários à ascensão da senzala, apoiaram abertamente a candidatura do mineiro à presidência da república em 2014.
Não nos esqueçamos que ambos não são hoje e não eram em 2014, nenhuma criança, que qualquer um possa enganar com lorotas infantis e promessas vãs. É claro que alguma vantagem eles esperavam obter e devem ter obtido, ao apoiar o hoje senador afastado e acusado de corrupção e participação em organização criminosa. O mesmo se pode dizer de todas figuras públicas, ou os simples eleitores que agora possam querer fugir da responsabilidade por sua escolha e cobrar da “justiça” uma ação contra os enganadores do povo.
Nenhum de nós pode alegar ter sido enganado. Apoiamos as ideias e os projetos que nos pareceram mais interessantes para nós. Poucos são os que votam com intenção de construir uma república estável e forte. Os interesses pessoais, via de regra, superam o idealismo, esse sim, tomado por infantilidade e romantismo utópico. Os que votam pelo ideal são chamados de radicais e idiotas, guiados por loucos manipuladores.

Diante da avalanche de acusações contra todos, não parece haver qualquer intenção de se buscar uma solução para a crise ética instaurada e já bem enraizada no país. O que se vê é uma polarização absurda, com acusações mútuas, que possibilita ao bom observador enxergar a realidade: todos procuram desesperadamente fugir da responsabilidade pelo seu ato equivocado de escolha. Todos somos responsáveis, mas nenhum de nós quer assumir o peso de haver contribuído para a desgraça que não se pode mais esconder. O problema é que estamos acostumados a esconder nosso erro fazendo propaganda do erro alheio.
Não adianta mais qualquer esforço no sentido de tentar ofuscar a coisa jogando lama no adversário, ou fazendo “cortina de fumaça”. E é exatamente o que ainda continuam tentando fazer. A velocidade com a qual as informações circulam atualmente, bem como o avanço das tecnologias de coleta de imagens e sons, ou de rastreamento de objetos e dados, não permitem que o criminoso tenha tempo para ocultar a sujeira. Rapidamente a coisa vaza. E quando vaza, é impossível se conter a divulgação e se prever os resultados. Quase sempre é feito uso inadequado, apressado, impensado.
Essas informações estão disponíveis para todos. Isso reforça a ideia de que nenhum de nós é ingênuo ao ponto de poder alegar ter sido enganado. Há que se arranjar outro argumento, se seu desejo for manter sua imagem de bom moço. Melhor seria, doravante, evitar se envolver com as ofertas de almoço grátis. O lucro fácil para uns, certamente gerará prejuízo para outros.

Então fica aí um bom motivo para todos nós pensarmos. Não adianta agir como o fizeram Marcio Garcia, dando uma de idiota enganado, ou Luciano Huk, apagando as fotos com o corrupto. Não dá mais para tentarmos fugir da responsabilidade e nos escondermos.
Não dá mais para usar a tática da apresentação de dossiês contra quem já foi seu parceiro de corrupção, na tentativa de inverter o foco e procurar ocultar as próprias mãos sujas. Pior de tudo: não dá mais para negar o inegável, nem há mais tempo para abandonar o barco sem ser notado. Melhor sair com dignidade.

Dias sem mães


                          Weverton Duarte Araújo

Quando eu era criança o dia das mães era experimentado como um culto a uma divindade de carne e osso. Esperávamos ansiosos o dia dedicado à bajulação, à oferta de singelos presentinhos (canecas de louça, panos de prato, enfeites, ou qualquer outra bobagem que nos custava algum esforço, diante da fraqueza dos nossos recursos, mas nada de absurdo, que não pagássemos com uma semana de pequenos trabalhos).
Era um momento de verdadeiro êxtase, poder chorar de emoção diante das lágrimas da homenageada e tê-la tão por perto, tão vulnerável e humana. Mas, no dia seguinte, a divindade retomava seu lugar e o distanciamento entre mãe e filho reaparecia, para durar mais um bom tempo, pelo bem da função materna, do indivíduo em formação e da sociedade como um todo, que tinha por meio daquela relação a garantia de sua subsistência.

Mas o tempo passa... as singelas homenagens passam. Passam os presentinhos baratos e agora somos quase obrigados a comprar algo de valor para não sermos vistos como mesquinhos, diante do esforço sobrenatural que ela nos dedicou a vida inteira. As homenagens do dia das mães não são mais um prazer, nem um culto, mas uma formalidade enjoada e sem graça.
Nos quinze dias que antecedem a data, minha caixa de entrada de e-mails fica atolada de ofertas ridículas, com apelos não menos ridículos. As lojas insistem em empurrar como “o sonho de toda mãe” os produtos que não foram vendidos em outra ocasião.
Querem nos vender algo, não importa o quê. Tudo combina com sua mãe e você tem que dar algo para ela nesse dia. De preferência algo além de suas posses, que comprometa seu cartão de crédito até o fim do ano.
Não se recitam mais versos, jograis, poemas. Poucos mandam flores. No dia seguinte, a mãe de crianças vai continuar ausente, pois os pequenos vão para a “escolinha” e a divindade vai trabalhar o dia inteiro, por não ter um marido que a sustente ou por que se submeteu aos ditames da sociedade que exige que ela trabalhe para ter como consumir produtos. Mas sua voz, que ensinava, corrigia e direcionava, não é ouvida pelos filhos. Quem lhes fala é a escola, que nada pode dizer.
Mãe como função exercida por uma pessoa, numa relação de cuidado com um ser a quem ela ama incondicionalmente, não se vê mais.
Mãe como formadora de pessoas, como principal educadora do indivíduo, antes mesmo de ele ser submetido a qualquer tipo de educação formal. Aquela que ensina os primeiros conceitos e fornece a base para que uma pessoa estabeleça e desenvolva seu caráter, onde se acha?
Mãe como insubstituível cuidadora de um animal que não sobrevive até completar pelo menos um ano de idade se não tiver em torno de si as atenções diuturnas de uma figura materna.
Mãe como disseminadora do ethos da sociedade em que vive, ao inculcar desde cedo naquele que vai ser um cidadão, os princípios básicos de convivência em grupo.
Mãe como a que conduz e introduz por seu discurso a lei-do-pai, que fornece limites ao pequeno ser humano ainda desconhecedor da necessidade de regras.
Mãe como inspiradora do super-ego, que desafia, critica, cobra, instiga e, acima de tudo, está sempre ali, mesmo quando não puder ser vista fisicamente.

Naquela relação entre mães e filhos de menos de meio século atrás, a mãe não pedia, mandava. E mandava apenas com o olhar, às vezes. O respeito era algo quase palpável. A mãe trazia ainda em seu discurso a ameaça de contar para o pai, esse sim, portador da ação punitiva, inibidora e suficiente forte para induzir o filho a se encaixar no modelo apreciado pela sociedade. 
Não podemos dizer que isso funcionava cem por cento, mas podemos, com certeza, afirmar que a falta disso não está dando muito certo.
Aquelas mães já não são encontradas facilmente hoje em dia. Hoje os filhos não temem a ameaça ou a punição, até por que a figura do pai também se transformou no decorrer dos anos. Não existe mais o perigo das chineladas e surras com “vara de marmelo”, ou cinto de couro. 
O pai perdeu seu poder e a mãe sua ferramenta de contenção da euforia desmedida, típica da infância e da juventude. Os resultados estão aí, para se ver, ou para nem se querer ver. As crianças são criadas soltas por aí, sem regras, sem ensinamento de valores, sem punição pelos pequenos erros. É claro que não vai dar em coisa boa.

A pergunta que fica é: Quem vai ocupar o espaço que ficou vago quando as mães saíram de casa para "competir" com os homens no mercado de trabalho, buscando igualdade de direitos, direito de trabalhar, equiparação salarial, respeito pela diferença, tratamento diferenciado pela condição feminina, etc, etc.?
Não vamos entrar na polêmica de se é certo ou errado a mulher ir à luta e deixar a criação dos filhos para alguém. O fato é que as coisas estão assim e assim não está dando certo. Falta alguém para fazer o que as mães faziam e funcionava melhor do que agora. 
Isso sim, é importante e precisa ser pensado. Se não, dentro de pouco tempo nós nos destruiremos uns aos outros, por não termos recebido educação de base, dentro de casa, enquanto era tempo de aprender.

Neste dia das mães, comemoramos dias sem mães, na essência do termo.


Ética e cidadania

 Ética e cidadania
 Weverton Duarte Araújo

Para começar as reflexões sobre ética e cidadania precisamos, creio eu, antes de tudo alinhar nossos conhecimentos sobre os dois termos. Precisamos ter bem claros os conceitos de ética e cidadania.
Vamos então, nivelar nossos conceitos de ética e cidadania, para depois sim, falarmos sobre a importância dessas duas práticas no dia-a-dia da sociedade. OK?
E por que falar sobre ética e cidadania neste momento? Por que escolhemos este tema? Certamente não foi por acidente, mas principalmente por dois motivos:
 
1 - O momento histórico que estamos atravessando, no qual é possível se observar uma crise de conceitos e uma relativização generalizada (tudo é permitido em nome de uma liberdade cada vez menos palpável). Temos ficado cada vez mais presos à necessidade de “apagar os incêndios” causados exatamente por essa falta de normatização que os jovens (principalmente os jovens, mas não só eles) percebem como “vale tudo”. O uso irresponsável da liberdade gera prejuízos imensos e às vezes, irreparáveis.
 
2 - A falta mesmo que uma boa noção desses conceitos nos faz para que saibamos qual o nosso papel na sociedade da qual fazemos parte, independente do momento histórico ou político.

E como podemos perceber a falta que faz conhecer o significado dos termos ética e cidadania? Por que é importante saber isso?

Pois vamos a eles:

Qual a ideia que lhe vem à mente quando você ouve a palavra “ética”?

Qual a ideia que lhe vem quando ouve a palavra cidadania?

Observemos o mundo no qual vivemos. Pensemos nos relacionamentos entre as pessoas, nos relacionamentos entre os grupos de pessoas, as cidades, os países... Como as pessoas, os grupos de pessoas se comportam diante da necessidade de conviver com o outro?
Não há como fazer essa reflexão sem estar pensando sobre ética e cidadania. Isso por que (e agora vamos para o conceito clássico, acadêmico) a ética é a parte da Filosofia que se dedica a estudar o comportamento humano em sociedade.
Ética é o produto da busca consciente de uma interpretação da moral social, ou seja, das normas de conduta dos grupos de pessoas.
A ética de um grupo ou de uma sociedade é aquilo que orienta a formação de suas regras, seus tabus e costumes. A moral se resume nos costumes e normas propriamente ditos, enquanto a ética é o “modo de ser” (ethos) daquele grupo, os valores que permeiam a própria inspiração do ato normativo que cria suas regras.
Assim, ética é um exercício de reflexão diante de uma situação qualquer, a fim de encontrar a atitude mais correta, adequada e que seja o menos prejudicial possível à coletividade. Daí surgem as regras e os padrões de comportamento.
E observemos que no momento em que o indivíduo estabelece limites para si na relação com o outro, está exercendo uma prerrogativa que lhe confere a condição de cidadania, já que a cidadania é o exercício de direitos e deveres em uma comunidade.
Cidadania enfim, é o exercício de buscar conhecer seus direitos e deveres, fazendo valer seus direitos, mas, respeitando os direitos coletivos e individuais dos demais membros da sociedade.
Assim, estabelecemos o vínculo indissociável entre ética e cidadania.

É preciso portanto, que saibamos qual é a nossa ética, ou seja, o nosso “modo de ser”, para que, através desse conhecimento, possamos entender a origem das regras que organizam nossa sociedade.
Mas temos um problema. Quando se fala em cidadania, muitas vezes encontramos definições que conduzem a uma interpretação equivocada, como “cidadania é a condição de acesso aos direitos sociais”. Esquecem os defensores de tal tese, que há deveres como há direitos. E os deveres são talvez mais importantes que os direitos no exercício da cidadania, pois são eles que atestam o reconhecimento e o respeito à existência do outro como parte essencial à manutenção de uma coletividade. 

Se cada um pensar nos seus deveres e cumpri-los, todos respeitarão automaticamente os direitos de todos. Não haverá necessidade de me preocupar com meus direitos, pois todos estarão preocupados em respeitá-los.

A sociedade moderna, guiada ainda por um sentimento individualista que teve seu início ainda nos primórdios do pensamento humanista, na era do Renascimento, historicamente situada na Itália, entre os Séculos XIV e XVI, parece estar se afundando no extremo do narcisismo.
O indivíduo não se permite enxergar o outro como objeto de um sentimento qualquer que não seja espelhar a aparência de algo que ele acredita possa ser a reprodução de sua experiência primária de satisfação, o que explica o equívoco acima citado, no que diz respeito à supervalorização dos direitos individuais em detrimento do desenvolvimento do grupo como um todo.
O outro é percebido como um objeto, sem outra função que não seja servir de canal de descarga das pulsões do indivíduo, cada vez menos humano, menos civilizado, se entendermos civilização como o efeito de internalização de regras sociais necessárias para a convivência em sociedade.
Assim sendo, o que nós temos é uma sociedade formada por pessoas que agem de forma egoísta, individualista, insensível e desumana. Outro dia eu fui à agência da CEMIG resolver um problema. Peguei a senha, me sentei e fiquei esperando. A atendente terminou um atendimento e chamou minha senha, mas a pessoa que estava de saída retornou com uma dúvida e continuou sendo atendida. O sistema chamou a próxima senha. O sujeito percebeu o ocorrido, olhou pra mim e disse: azar seu. E foi para o atendimento. Felizmente, o guichê ao lado vagou ao mesmo tempo e eu fui atendido sem demora. Não seria grande sacrifício esperar mais alguns minutos. O que doeu foi a falta de sensibilidade do indivíduo, que perdeu a oportunidade de agir eticamente e exercitar cidadania.
Outra característica da nossa ética enquanto cidadãos é a postura apática e irresponsável em relação à administração da coisa pública. Sustentamos a ideia de que “o governo é responsável por tudo”. Assim, deixamos de exercer plenamente a cidadania, quando não fazemos o que é nosso direito e dever como republicanos que somos, ou seja, somos omissos e covardes.
Pior que isso, ainda atribuímos a um terceiro qualquer a culpa pelo resultado de algo que talvez não ocorreria se não fôssemos omissos e contraditórios com nosso próprio discurso.

Assim como dito por Rousseau, o estado natural do homem chegou a um ponto de não poder mais se sustentar, precisando ser substituído pelo estado civil, também as formas de administração do estado civil, de certa forma “caducam”. Há que se renovar. A evolução humana requer revolução social. 
Há que se preparar para isso. Há que se entender o que é ética e o que é cidadania. Há que se agir eticamente no exercício da cidadania.


- O texto acima resume a palestra ministrada em 06/04/2017 na biblioteca pública de Bom Despacho-MG, em evento promovido pela Prefeitura do Município e o Fatias de Análise: Nucleo de Psicanálise e Discursos.