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As formações do Inconsciente

Formações do Inconsciente


Weverton Duarte Araújo

Em primeiro lugar, embora seja assunto de menor relevância, não deve ser de todo inútil propor para a disciplina um novo rótulo, a saber, Produções do Inconsciente, já que o que temos nos sonhos, nos chistes, atos falhos e sintomas, são na verdade, produtos do Inconsciente, na tentativa de trazer seu conteúdo à tona.
Tal mudança provavelmente evitaria até algumas dúvidas dos estudantes, que, como foi relatado em sala de aula por alguns colegas, não pareceu claro se a proposta era estudar os fenômenos que formam o inconsciente, ou os fenômenos por ele formados. Fato é que a palavra formações causou certa confusão no princípio.

Ultrapassada essa barreira inicial, sabemos agora que a proposta é conhecer e estudar os fenômenos que a Psicanálise postula serem formados no Inconsciente com a finalidade de funcionar como substituto do material antes retido pelo efeito do recalcamento, material este, que por suas características, não é permitido de se apresentar livremente à mente em estado de vigília, o que demanda o surgimento desses fenômenos como forma de facilitar a aceitação de tal conteúdo pela consciência.
Buscaremos aqui, não mais que um breve exercício de conceituação desses fenômenos, considerada a insipiente condição do apresentador, posto que incipiente no estudo do tema.

Baseado principalmente no texto freudiano e em anotações de estudos do pesquisador, este trabalho se propõe a expor um resumo do conteúdo estudado, no que diz respeito ao funcionamento do Inconsciente e suas manifestações na consciência. Cada tópico apresentará uma síntese do que se discutiu sobre Inconsciente, sonhos, chistes, atos falhos e sintomas, a partir da perspectiva do conhecimento acumulado.
 
O Inconsciente

O Inconsciente, segundo Freud, pode ser entendido como um espaço não acessível ao estado de vigília ou a percepção consciente do indivíduo, mas, que comporta um infindável número de ideias (emoções, sentimentos e percepções), que seriam insuportáveis à consciência em sua forma original, ou seja, sem um anteparo eufemizante, que as torne menos impactantes, menos desagradáveis.
Freud chega a dizer que "todo ato psíquico começa no Inconsciente e pode permanecer assim, ou evoluir para a consciência, conforme encontre ou não resistência" (Vol. XII, p. 283).
Ou seja, diremos do Inconsciente, que é um lugar dentro de nosso psiquismo, onde são aprisionados certos conteúdos que em algum momento se mostraram conflitantes com nossos conceitos éticos e morais, e que, na verdade, são os conteúdos originários dos estados mais naturais e menos socializados da pessoa.
Do ato psíquico, diremos que é o trabalho executado pelo Inconsciente, ao tentar conduzir à consciência algum conteúdo nele represado. Essa repressão ocorre quando o ego do indivíduo é ainda imaturo, incapaz de administrar o conflito imanente na ideia que lhe é apresentada.
Ao descrever os fatores precipitantes das neuroses Freud aponta a "importância do papel desempenhado pela limitação imposta pela civilização ao campo das satisfações acessíveis" (Vol XII, p. 249). Podemos concluir que essa limitação representa a força capaz de excluir certas ideias do campo da consciência.
As forças repressoras que mantém uma ideia recalcada, ou seja, recolhida ao Inconsciente, são constantemente testadas por certos mecanismos criados pelo Inconsciente para que a ideia se torne palpável, acessível à consciência. Isso porque tais ideias são originárias de pulsões vitais ou, de grande relevância para o indivíduo, embora sejam de alguma forma, percebidas como reprováveis pela consciência, já que esta é moldada por conceitos adquiridos a partir da necessidade de socialização.
No Inconsciente as idéias e sentimentos rechaçados pela consciência sofrem alterações e são, por meio dos processos que convencionamos chamar formações do Inconsciente, ou seja, dos sonhos, chistes, atos falhos e sintomas, novamente expostos à consciência, agora revestidos de disfarces ou deformações, permitindo assim a vazão da ideia inicialmente retida, diante da sua forma que explicitava o conflito moral.

Os sonhos

Primeira das formações do Inconsciente a ser detidamente estudada por Freud, os sonhos são por ele tratados de forma bastante peculiar, já que comumente eram apresentados por seus pacientes, junto ao relato de sintomas, apontando para uma fonte de esclarecimento das questões envolvendo as neuroses, foco de seus estudos.

São pacificamente entendidos como guardiães do sono, já que, até certa medida, conseguem manter a pessoa naquele estado, indiscutivelmente necessário e salutar.
Mas, a atividade mental assume no sono uma forma específica, a qual permite que os pensamentos oníricos reconstruam fantasias e desejos reprimidos de forma menos sujeita à rejeição pela consciência.
Os sonhos podem ser originados a partir de diversas influências internas ou externas ao psiquismo, como:

  • a continuidade da busca de realização de desejos (Vol. IV, pp. 158-167), como pode ocorrer nos casos em que o sonho parece procurar suprir uma necessidade ou demanda física;
  • fragmentos de experiências da infância (Vol. IV, p. 53), uma vez que muito dos conteúdos dos sonhos são completamente estranhos à vida atual do que os experimenta;
  • fragmentos de experiências vividas no dia anterior (Vol. IV, p. 205), já que a atividade mental não cessa;
  • devaneios inconscientes (Vol. XVI, p. 374), diante do afrouxamento das forças mantenedoras da repressão durante o estado do sono.

Concluímos assim, que os sonhos podem servir como válvula de escape para as preocupações cotidianas, e ainda, como agentes de revelação de ideias inconscientes, são atos psíquicos inteiramente válidos, a despeito de sua forma, que na maioria das vezes corrompe as regras do raciocínio lógico.
Os sonhos, enfim, não podem ser tratados como vazios de significação, já que “não permitimos que nosso sono seja perturbado por tolices” (Vol. IV, p. 213).

Os atos falhos

Vez por outra nos encontramos em situação embaraçosa, causada por alguma fala que nos escapa inadvertidamente. O mesmo se pode manifestar em palavras, ou grupos de palavras, não só faladas, mas também escritas, sentidas, ou pensadas. Ações equivocadas ou não esperadas também podem ter fator de causalidade comum.
Em princípio, tendemos a acreditar que tais ocorrências sejam fruto do cansaço, ou mera desatenção, mas, estudos de Freud e outros trouxeram-nos o conhecimento da possibilidade de que esses “descuidos” na verdade sejam manifestações do Inconsciente, desejoso de trazer algum conteúdo à tona.
Os atos falhos são carregados de sentido e sempre dizem algo do Inconsciente. Eles se baseiam e comumente se revelam no esquecimento de uma palavra e a substituição desta por uma outra, que por sua vez, sinaliza para algum ponto no qual o indivíduo mantém seu psiquismo aprisionado, causando angústia tal, que move o Inconsciente a buscar oportunidades em que possa encontrar saídas para que  seus conteúdos traumáticos sejam expostos ao nível da consciência.
São, por assim dizer, alertas enviados pelo Inconsciente, aproveitando oportunidades surgidas nas vivências cotidianas. Mas, mesmo esses alertas são feitos de forma distorcida, em uma linguagem indireta, como costuma falar o Inconsciente dos neuróticos.
É necessário que haja um trabalho de elaboração por parte do indivíduo para atingir a capacidade de traduzir tais mensagens, de modo que elas se tornem produtivas.
Diante da angústia da castração, do conflito sempre presente, o ser humano só tem duas saídas: o ato ou a linguagem. Em determinado momento, a boca não consegue reter aquilo de que está cheio o coração. É aí que o Inconsciente age.
Freud relaciona uma série de atos falhos, dividindo seu estudo em grupos como esquecimentos, lembranças, lapsos da fala, lapsos de escrita, lapsos de leitura, equívocos na ação, erros de memória, entre outros.


Os chistes

Os chistes são uma forma de reação do indivíduo a determinadas situações, pelo uso do cômico, ou, pela verdadeira arte de que são dotadas algumas pessoas, já que nem todos são capazes de construí-los (Vol. VIII, p.135), de trazer, pela via do contraste, da espirituosidade, do “non sense”, de forma inesperada e improvável, uma fala que revele o intuito do Inconsciente, de burlar as forças mantenedoras do recalque, assim como no ato falho, traindo o desejo encobridor do falante, ou por fazer parecer que isso ocorre, dar o tom picante, capaz de gerar o riso no interlocutor.
Diferentemente do ato falho, dos sonhos e dos sintomas, que podem ser vivenciados pela pessoa isoladamente, ou sem que outros o percebam, ou participem diretamente de sua manifestação, o chiste tem um aspecto de fenômeno social, ou seja, requer a presença de terceiros para produzir seu efeito.
A brevidade e a economia são características marcantes do chiste, que utiliza mecanismos peculiares ao funcionamento do Inconsciente, como condensação e deslocamento, reunindo em poucas palavras ideias diversas, mas, que de alguma forma sejam explicitadas pelo contraste, pelo escandaloso, pelo ridículo.
Freud se baseia em Richter e Fischer para afirmar que o chiste "é um juízo que produz contraste cômico" e que é a "habilidade de fundir, com surpreendente rapidez, várias ideias, de fato diversas umas das outras tanto em seu conteúdo, como no nexo com aquilo a que pertencem" (Vol.VIII, p. 19).
Aqui parece que o Inconsciente age de forma oportunista, aproveitando uma circunstância propiciada por uma lacuna no recurso linguístico disponível, para ali inserir, ainda que obscurecido pelo desconcerto inicial provocado pelo chiste, algum conteúdo reprimido.

Os sintomas

Consideremos as estruturas clínicas e o fato de que o retorno do conteúdo recalcado gera as formações do Inconsciente. As formações que retornam no psicótico sob a forma de alucinações não podem ser consideradas sintomas, posto que estes são substitutivos do recalcado e essa condição não se aplica à estrutura psicótica.
Os sintomas neuróticos são resultados de um conflito, o qual surge em virtude de um novo método de satisfazer a libido (Freud, Conferência XXIII). Isso equivale a dizermos que o sintoma é um trabalho do Inconsciente no sentido de negociar a substituição da manifestação de uma comunicação à consciência, impedida pelo efeito do recalcamento.
Tal substituição se dá por outra forma de manifestação, em uma linguagem mais parecida com aquela que seria usada pelo indivíduo no período em que poderia trazer tal informação à consciência sem impedimento.
Esse seria um período de sua existência quando não havia ainda o conhecimento de certas limitações, aquelas impostas pela necessidade de socialização. Daí o fato de alguns sintomas poderem ser tomados pelo observador externo, como atitude de certo modo “infantil”, ou seja, incompatível com a maturidade de seu portador.
"As condições para a formação dos sintomas encontram-se em todas as pessoas e não só nas que os desenvolvem". Desse modo Freud afirma que todos somos neuróticos, embora alguns mais resistentes aos efeitos da exposição às circunstâncias capazes de desencadear a neurose patológica.
Entendamos então, por neurose patológica, aquela cujos sintomas passam a interferir na capacidade do sujeito, impedindo-o de se relacionar e de executar as atividades do dia-a-dia.
"A construção de um sintoma é o substituto de alguma coisa que não aconteceu" (Freud, Conferência XVIII). A partir desta afirmação, podemos inferir que o que não aconteceu foi barrado pela censura e lançado aos domínios do Inconsciente. Então o sintoma é mais um recurso do Inconsciente em busca da realização de um desejo.

Eis portanto, exposto em resumo focado na objetividade, o que se convencionou chamar, no meio psicanalítico, Formações do Inconsciente.