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Ética e cidadania

 Ética e cidadania
 Weverton Duarte Araújo

Para começar as reflexões sobre ética e cidadania precisamos, creio eu, antes de tudo alinhar nossos conhecimentos sobre os dois termos. Precisamos ter bem claros os conceitos de ética e cidadania.
Vamos então, nivelar nossos conceitos de ética e cidadania, para depois sim, falarmos sobre a importância dessas duas práticas no dia-a-dia da sociedade. OK?
E por que falar sobre ética e cidadania neste momento? Por que escolhemos este tema? Certamente não foi por acidente, mas principalmente por dois motivos:
 
1 - O momento histórico que estamos atravessando, no qual é possível se observar uma crise de conceitos e uma relativização generalizada (tudo é permitido em nome de uma liberdade cada vez menos palpável). Temos ficado cada vez mais presos à necessidade de “apagar os incêndios” causados exatamente por essa falta de normatização que os jovens (principalmente os jovens, mas não só eles) percebem como “vale tudo”. O uso irresponsável da liberdade gera prejuízos imensos e às vezes, irreparáveis.
 
2 - A falta mesmo que uma boa noção desses conceitos nos faz para que saibamos qual o nosso papel na sociedade da qual fazemos parte, independente do momento histórico ou político.

E como podemos perceber a falta que faz conhecer o significado dos termos ética e cidadania? Por que é importante saber isso?

Pois vamos a eles:

Qual a ideia que lhe vem à mente quando você ouve a palavra “ética”?

Qual a ideia que lhe vem quando ouve a palavra cidadania?

Observemos o mundo no qual vivemos. Pensemos nos relacionamentos entre as pessoas, nos relacionamentos entre os grupos de pessoas, as cidades, os países... Como as pessoas, os grupos de pessoas se comportam diante da necessidade de conviver com o outro?
Não há como fazer essa reflexão sem estar pensando sobre ética e cidadania. Isso por que (e agora vamos para o conceito clássico, acadêmico) a ética é a parte da Filosofia que se dedica a estudar o comportamento humano em sociedade.
Ética é o produto da busca consciente de uma interpretação da moral social, ou seja, das normas de conduta dos grupos de pessoas.
A ética de um grupo ou de uma sociedade é aquilo que orienta a formação de suas regras, seus tabus e costumes. A moral se resume nos costumes e normas propriamente ditos, enquanto a ética é o “modo de ser” (ethos) daquele grupo, os valores que permeiam a própria inspiração do ato normativo que cria suas regras.
Assim, ética é um exercício de reflexão diante de uma situação qualquer, a fim de encontrar a atitude mais correta, adequada e que seja o menos prejudicial possível à coletividade. Daí surgem as regras e os padrões de comportamento.
E observemos que no momento em que o indivíduo estabelece limites para si na relação com o outro, está exercendo uma prerrogativa que lhe confere a condição de cidadania, já que a cidadania é o exercício de direitos e deveres em uma comunidade.
Cidadania enfim, é o exercício de buscar conhecer seus direitos e deveres, fazendo valer seus direitos, mas, respeitando os direitos coletivos e individuais dos demais membros da sociedade.
Assim, estabelecemos o vínculo indissociável entre ética e cidadania.

É preciso portanto, que saibamos qual é a nossa ética, ou seja, o nosso “modo de ser”, para que, através desse conhecimento, possamos entender a origem das regras que organizam nossa sociedade.
Mas temos um problema. Quando se fala em cidadania, muitas vezes encontramos definições que conduzem a uma interpretação equivocada, como “cidadania é a condição de acesso aos direitos sociais”. Esquecem os defensores de tal tese, que há deveres como há direitos. E os deveres são talvez mais importantes que os direitos no exercício da cidadania, pois são eles que atestam o reconhecimento e o respeito à existência do outro como parte essencial à manutenção de uma coletividade. 

Se cada um pensar nos seus deveres e cumpri-los, todos respeitarão automaticamente os direitos de todos. Não haverá necessidade de me preocupar com meus direitos, pois todos estarão preocupados em respeitá-los.

A sociedade moderna, guiada ainda por um sentimento individualista que teve seu início ainda nos primórdios do pensamento humanista, na era do Renascimento, historicamente situada na Itália, entre os Séculos XIV e XVI, parece estar se afundando no extremo do narcisismo.
O indivíduo não se permite enxergar o outro como objeto de um sentimento qualquer que não seja espelhar a aparência de algo que ele acredita possa ser a reprodução de sua experiência primária de satisfação, o que explica o equívoco acima citado, no que diz respeito à supervalorização dos direitos individuais em detrimento do desenvolvimento do grupo como um todo.
O outro é percebido como um objeto, sem outra função que não seja servir de canal de descarga das pulsões do indivíduo, cada vez menos humano, menos civilizado, se entendermos civilização como o efeito de internalização de regras sociais necessárias para a convivência em sociedade.
Assim sendo, o que nós temos é uma sociedade formada por pessoas que agem de forma egoísta, individualista, insensível e desumana. Outro dia eu fui à agência da CEMIG resolver um problema. Peguei a senha, me sentei e fiquei esperando. A atendente terminou um atendimento e chamou minha senha, mas a pessoa que estava de saída retornou com uma dúvida e continuou sendo atendida. O sistema chamou a próxima senha. O sujeito percebeu o ocorrido, olhou pra mim e disse: azar seu. E foi para o atendimento. Felizmente, o guichê ao lado vagou ao mesmo tempo e eu fui atendido sem demora. Não seria grande sacrifício esperar mais alguns minutos. O que doeu foi a falta de sensibilidade do indivíduo, que perdeu a oportunidade de agir eticamente e exercitar cidadania.
Outra característica da nossa ética enquanto cidadãos é a postura apática e irresponsável em relação à administração da coisa pública. Sustentamos a ideia de que “o governo é responsável por tudo”. Assim, deixamos de exercer plenamente a cidadania, quando não fazemos o que é nosso direito e dever como republicanos que somos, ou seja, somos omissos e covardes.
Pior que isso, ainda atribuímos a um terceiro qualquer a culpa pelo resultado de algo que talvez não ocorreria se não fôssemos omissos e contraditórios com nosso próprio discurso.

Assim como dito por Rousseau, o estado natural do homem chegou a um ponto de não poder mais se sustentar, precisando ser substituído pelo estado civil, também as formas de administração do estado civil, de certa forma “caducam”. Há que se renovar. A evolução humana requer revolução social. 
Há que se preparar para isso. Há que se entender o que é ética e o que é cidadania. Há que se agir eticamente no exercício da cidadania.


- O texto acima resume a palestra ministrada em 06/04/2017 na biblioteca pública de Bom Despacho-MG, em evento promovido pela Prefeitura do Município e o Fatias de Análise: Nucleo de Psicanálise e Discursos.