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Totem e tabu: psicanalítico ou antropológico?


Totem e tabu

O texto abaixo é o resumo de uma aula ministrada no NEP (Núcleo de Estudos Psicanalíticos) em Rondonópolis-MT. Resolvi publicá-lo a fim de documentar o fato intrigante (discutido com a turma) de que houve discordância entre estudiosos do tema, em relação ao enfoque do texto. Enquanto um o entendeu como um texto de cunho antropológico, o outro conseguiu perceber o quão psicanalítica foi a intenção de Freud na obra. Compartilho o resumo e convido os interessados no assunto a pensar a respeito.

A quem Freud dirigiu a intenção dos quatro ensaios que compõem Totem e Tabu? Qual seu objetivo ao escrevê-los?
Segundo adverte o próprio autor no prefácio à primeira edição, embora “visem a despertar o interesse de um círculo amplo de leitores instruídos, na realidade, não podem ser compreendidos e apreciados exceto por aqueles que já não sejam alheios à natureza essencial da psicanálise”.
Ora, ele espera que suas reflexões possam aproximar dos psicanalistas, estudiosos de antropologia social, filologia e folclore. E mais, ele aponta a deficiência da falta de diálogo entre tais estudiosos, cujos olhares direcionados para os próprios conhecimentos dificultam a percepção de aspectos que ao outro podem parecer de fácil absorção.
Ou seja, tanto faltava aos antropólogos e filólogos, conhecimentos da “nova ciência” quanto aos psicanalistas, compreensão adequada de aspectos amplamente dominados por aqueles outros.
Uns, por não se abrirem ao novo, outros, por não se permitirem olhar para trás, assim como ainda acontece atualmente, atravancam o progresso da ciência em defesa de suas posições.
Ainda no prefácio à primeira edição Freud justifica a desproporcionalidade do enfoque dado aos dois temas na obra. E esclarece que o motivo se dá em razão do fato de que os tabus ainda são encontrados em nossa sociedade, ao passo que o totemismo já não pode ser observado na prática, nem mesmo seus vestígios palpáveis.
Já há mais de 100 anos, o que se tinha de sociedades nas quais se podia observar alguma influência de sistemas totêmicos, se restringia a alguns poucos grupos de povos australianos e africanos.

O horror ao incesto


O primeiro ensaio, intitulado “o horror ao incesto”, faz uma viagem antropológica por relatos de estudiosos da época, especialmente James George Frazer (1854-1941), de cujos textos extrai grande parte dos relatos apresentados, com a finalidade de demonstrar a existência de uma inexplicada evitação por parte desses grupos de povos, à mera possibilidade de exposição a situações que pudessem dar lugar a uma relação incestuosa.
Tais evitações eram reguladas através de diversos recursos criados sistematicamente, com a finalidade clara de inviabilizar as relações sexuais entre parentes próximos. Assim, evitava-se nesses grupos, pelo que observou Frazer e seus contemporâneos, permitir que um homem e uma mulher, não só os ligados por vínculos sanguíneos, mas também pelos vínculos totêmicos, permanecessem em situações nas quais pudessem dar vazão a seus eventuais desejos sexuais. Pai e filha, mãe e filho, irmão e irmã, genro e sogra e por aí adiante.
Mas, os fragmentos apresentados por Freud para ilustrar sua afirmação da existência de costumes não regidos por uma moralidade sexual parecida com a que conhecem os povos civilizados de então, não apresentam os motivos para o estabelecimento de tais costumes, de modo que permanece a dúvida sobre os motivos do estabelecimento desses sistemas.
Observa-se uma postura preconceituosa de Freud, quando afirma que “... esses selvagens são ainda mais sensíveis à questão do que nós. Estão provavelmente mais sujeitos à tentação de cometê-lo e, por essa razão, necessitam de maior proteção...“ (pag. 28). Convenhamos, falta cientificidade ao argumento. Por que motivo um grupo seria mais susceptível à tentação ao incesto que outro grupo? Por serem menos “civilizados”?
Somente nos últimos parágrafos do texto é que Freud faz alusão direta aos conceitos psicanalíticos e os relaciona ao texto até então construído. Sua afirmação mais forte é de que na neurose o indivíduo assume uma posição infantilizada, regredindo à tendência natural da infância, dominada por desejos incestuosos (pág. 35). Essa relação seria, pois, o complexo nuclear das neuroses, conforme propõe Freud também nos “Três ensaios sobre a sexualidade” (Vol. VII).


Tabu


De modo geral, os tabus são restrições impostas por regras morais dentro de uma sociedade, na tentativa de preservar o grupo de práticas consideradas prejudiciais a seus membros. Essas práticas, em sua maioria, estão ligadas a valores morais e religiosos.
Os tabus são interdições não só à prática de determinados atos, cujos resultados poderiam abalar as estruturas da sociedade, mas também à mera pronúncia de certas palavras ou nomes, o que poderia atrair má sorte ou a ira de divindades.
Os grandes tabus de todos os tempos, frequentemente estão relacionados à sexualidade, ou ao relacionamento dos homens com os deuses. Não raro, os dois aspectos podem ser observados concomitantemente.

Muito mais falamos e discutimos. Muito aprendemos e compreendemos. Mas fica a dúvida: Deve Totem e Tabu ser classificado como um texto psicanalítico ou antropológico?

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