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Cadê as luzes do Natal?

Weverton Duarte Araújo 


O olhar infantil, romântico, ingênuo e sem maldade, em oposição ao maquiavélico olhar adulto, focado na coisa e não na pessoa.
Há anos atrás, quando éramos crianças, tudo tinha um brilho especial, não só por nossos olhos serem olhos de crianças, mas pelas próprias circunstâncias. As coisas eram diferentes e as pessoas eram mais amáveis, menos interessadas no valor das coisas que no valor das pessoas e dos relacionamentos.
Gastávamos tempo em montar árvores de Natal, trabalho sempre feito à noite, depois que a maioria da família já tinha chegado do trabalho. Então participávamos alegremente da verdadeira cerimônia que era a montagem das bolinhas coloridas de vidro finíssimo, que muitas vezes quebravam durante a brincadeira e lamentávamos cada quebra, pois seria uma bolinha a menos, já que não tínhamos mesmo muito dinheiro e aquelas coisas não eram assim tão baratas.

O individualismo nos afasta de compartilhar o prazer das pequenas coisas.
Tinha também aquelas gambiarras de luzinhas que montávamos na fachada da casa, em torno das janelas, nos primeiros dias de dezembro e só eram tiradas no dia seis de janeiro. Ficavam ali, piscando, verdes, azuis, vermelhas. Sempre queimavam algumas, mas vinham no kit umas de reserva. Trocavam-se e pronto.

A desvalorização do sentido do tempo, em favor da urgência mercantil.
Quase todas as casas da rua, em todas as ruas de todos os bairros da cidade. Os ricos e os pobres se igualavam nessa época, pelo menos no quesito decoração de fachada. É claro que a nossa era bem simples, como as de muita gente como nós. Mas era algo mágico, que envolvia as pessoas numa aura de alegria, de uma doçura fora do comum. Todos ficavam mais mansos, mais flexíveis, como se tocados por algo sobrenatural. Era assim o encanto dos dias que antecediam a chegada das festas de fim de ano.
Hoje os noticiários trazem desgraças, desastres, violência e mais violência. Nada de luzinhas piscando, nem musiquinha de harpa. Só vemos nos shoppings uns velhos gordos idiotas com uma barba branca ridícula cobrando para tirar fotos com as crianças.
Hoje em dia, já pela metade de dezembro, olho pela janela e não vejo mais que duas ou três casas iluminadas com um pisca-pisca modesto e sem graça. Não se renova mais a pintura das paredes, nem se substituem móveis, nem se compram brinquedos antecipadamente, para ficarem escondidos até o dia 24, sob deliciosa tensão da ansiedade dos pais e das crianças.

As pessoas desempenham papéis na sociedade automaticamente, pela mera necessidade de parecerem ser o que a moral social dita como desejável. O sujeito cede espaço ao indivíduo.
O que se vê são pessoas sendo entrevistadas nas compras de última hora, por repórteres sem escrúpulos, explorando a pobreza e a desorganização da correria a que se submetem quase que obrigatoriamente as pessoas para cumprir o ritual de comprar algo para não se sentirem inferiores. É a hora das compras apulso e de se dizer "feliz natal" a todo mundo, de forma frívola e impessoal. Hipocrisia desgraçada.

Reflexão e perspectiva
Cadê as luzes do Natal? Onde foram parar os enfeites, as guirlandas, os presentes baratos e os garrafões de vinho tinto de mesa suave para acompanhar o peru ou o lombo recheado?
Assim como desapareceu um dia o sentido original do natal como comemoração do nascimento do Ícone do cristianismo, também já perdeu o sentido a confraternização, a reunião de família e tudo mais que remetia àquelas bucólicas e deliciosas noites dos dezembros que ficaram na memória, mas que não mais existem. Não há mais luzes de natal.
O Natal que conhecemos não existirá mais em poucos anos. Sem a valorização do rito do nascimento, sem renovação cíclica, sem geração de vida, o mito da humanidade vai se deteriorando, cavando seu túmulo com as próprias mãos.

5 comentários:

  1. Seu texto como sempre, sensível e comovente. Temos muitas coisas em comum meu irmão, o que lhe faz falta, o que te toca, a simplicidade das coisas, dos detalhes, estou em plena comunhão. Adoro os símbolos do Natal, as bolas e "lampadinhas" que piscam de fato marcaram nossa infância. Recordo-me de cada detalhe!!! Sinto o cheiro do pernil assado em padaria, o vinho de garrafão, todo ano a mercearia Predileta nos presenteava com pelo menos um.
    No último paragrafo quando você cita o desaparecimento do sentido da comemoração, da confraternização, da reunião, que não há mais luzes, e que o Natal, em pouco tempo não mais existirá, etc..... Façamos nós, cada um de nós um esforço pessoal de não deixar morrer !!

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  2. Muito bacana o texto. O natal é a oportunidade de vivermos por alguns dias apenas o superficial da generosidade, da compaixão, de reunirmos a família e esquecer o que fomos e o que fizemos durante todo o ano. Qual o verdadeiro sentido do natal, ou melhor, qual o seu prazo de validade? A luz de um ser humano melhor e mais sensível à Cristo e às coisas que realmente importam se apaga no dia 06 de janeiro? O natal é a desculpa do que deveríamos viver em todo o tempo e vivemos apenas uns dias. Mas no fim das contas, é melhor viver isso alguns dias do que nunca.

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  3. Felizmente na minha família,que não é pequena, procuramos manter o espírito natalino.Somos seis irmãos,dezenove sobrinhos e mais de trinta netos, que sempre aguardam com ansiedade o Natal e a passagem do ano. Com todos os problemas que atualmente estamos passando, seguimos a tradição. Como dizia o meu pai, não devemos transmitir as nossas dificuldades para os outros, principalmente para as crianças e não ""deixar a peteca cair"". Um feliz Natal e um Ano Novo cheio de otimismo para todos.

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  4. Realmente me recordo , que minha mãe se preocupava com que ia vim para o natal!
    Era uma correria nos ali anciosos para chegar a hora da ceia .
    hoje em dia proucuramos um lugar para ir ceia pois ate mesmos os nossos familiares mais intimos esqueceram o que realmente significa o verdadeiro sentido do natal!

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  5. Gostei do texto! Exatamente, tudo esvaziado da doçura de vida nova, de recomeço, de esperança, as perspectivas, os sonhos, o desejo de possibilidades de brincar, ver e encantar com o simbólico elevava-nos à doçura desse tempo. A fantasia acabou? Parabéns, muito bom texto!

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