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O problema ético na Mediação de Conflitos

     A mediação de conflitos pode ser entendida como um processo de intervenção instrumentalizadora por parte do profissional ou grupo preparado para fornecer às partes, condições para que estas encontrem por si mesmas, opções de solução nas crises instaladas em seus conflitos, buscando evitar os atos violentos comuns da não dialetização observada na vivência do cotidiano.
     O objeto da mediação é definido pelas tradutoras do livro Dinâmica da Mediação, de Jean-François Six, como “auxiliar os seres humanos a investigar suas melhores alternativas, suas mais satisfatórias possibilidades em face das suas situações de impasse, ou até para evitá-las...”

     A mediação deve promover a via do diálogo e da reflexão, levando as partes a uma postura alteritária e de respeito à heteronomia indispensável nas relações humanas. Mais que isso, a mediação visa a prevenir a violência.
     Considerando que a mediação vai fazer de uma forma ou de outra, uma intervenção na realidade das pessoas, há de se supor que algum critério ético seja desejável, ante tal intervenção.

     Leonardo Boff recentemente trouxe a público sua Ética para a Nova Era, propondo uma Ética do Cuidado, a qual vincula cuidado a responsabilidade. Para ele, as intervenções humanas na realidade requerem o cuidado e a responsabilidade coletiva.
“...a ética do cuidado protege, potencia, preserva, cura e previne. Por sua natureza não é agressiva e quando intervém na realidade o faz tomando em consideração as consequências benéficas ou maléficas da intervenção. Vale dizer, se responsabiliza por todas as ações humanas. Cuidado e responsabilidade andam sempre juntos”.

     Três questionamentos estabelecem a base da inquietação responsável pela busca de uma clarificação de ideias no que diz respeito à ética da mediação de conflitos. São eles:
1. Que princípios éticos regem a conduta das partes demandantes da mediação de seus conflitos por um terceiro?
2. Por outro lado, como e onde vai se posicionar, do ponto de vista da ética das relações, o mediador, ora sujeito, ora objeto do processo?
3. E o processo em si, até que ponto pode interferir, seja sobre as partes, seja sobre o próprio mediador, sem extrapolar os princípios éticos mais elementares em relação aos paradigmas culturais dessas pessoas?

     Ora, o simples fato da necessidade de intervenção de um terceiro, seja o Estado, seja outro indivíduo qualquer, já pressupõe uma postura ética, no mínimo questionável, por parte dos envolvidos no conflito, que demonstram pouca capacidade de dialetizar, ou seja, de enxergar como possível, ou legítima, a demanda do outro em coexistência com a sua própria.

     O mediador é um indivíduo sujeito às influências dos sentimentos próprios do ser humano que é, mais ainda os que possuem o dom natural da mediação, assim entendido como a capacidade inata de se identificar com o problema do outro e se dispor a colaborar na busca por solução. Esse indivíduo é exposto a uma situação que pode facilmente ser parecida ou igual à sua, o que pode ser demasiado danoso à sua necessária e indispensável imparcialidade. Isso, dentre outras inúmeras possibilidades de situações nas quais pode haver grande dificuldade para uma intervenção equilibrada e eficaz, nos permite questionar sobre a ética do mediador.

     Os resultados esperados do processo e mediação como tal, seja antes de tudo a emancipação da pessoa, com vistas à construção de uma sociedade menos vitimada pela violência, trazem em si uma grande responsabilidade, uma vez que implicam em dar a essas pessoas instrumentos para a libertação de situação de dependência, apontar para sua latente capacidade de criação e de autonomia e finalmente, despertar nelas o poder de discernimento e julgamento adequado de seus atos e posturas diante dos conflitos, bem como o respeito pelo outro como princípio orientador de conduta.
     Certamente isso implica no surgimento de novas demandas por parte dessa pessoa transformada e de possível frustração diante de uma nova realidade, carente de cuidado, tal como o homem que acaba de conhecer a luz do ambiente exterior à caverna de Platão.

     Além disso, há ainda a situação do próprio mediador enquanto objeto do processo, exposto que fica, à identificação, ou a situação análoga ao que em Psicanálise se chamaria de transferência, que podem, em maior ou em menor grau, trazer dano ao indivíduo.
   
     Eis, portanto, motivos justos para se indagar quanto à ética do processo como tal.

     A partir dessas três questões iniciais, que envolvem os principais atores do processo e o processo como tal, é possível desenvolver um estudo com vistas a apontar os aspectos relevantes no que diz respeito à mediação de conflitos como processo e ainda, às pessoas que o compõem, sob o olhar da ética aplicada, ou seja, sob a vigilância da aplicação da ética normativa, seja esta, a qual determina o que se deve fazer, ou, qual a melhor forma de se fazer algo, tendo em vista as consequências das ações.

     É por aí que estamos caminhando...

Um comentário:

  1. Querido Weverton, gostei muito do seu site. Você é autêntico e pensa com maestria. Parabéns!

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